A Conquista de Monte Castelo

Honra, Dever, Perseverança e Vitória[1]

1. A GUERRA NA ITÁLIA

Monte Castelo foi a mais difícil conquista da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Campanha da Itália, entre setembro de 1944 e abril de 1945, na Segunda Guerra Mundial.

As razões para tanto iam da política à tática, passando pela situação estratégica do Teatro de Operações (TO) da Itália no final de 1944. Com a invasão do sul da França e a oportunidade surgida na Grécia, os aliados retiraram 7 divisões da frente italiana, recebendo em reforço apenas a divisão brasileira que foi levada à Europa por via marítima em sucessivos escalões, entre junho e outubro daquele ano.

Não obstante essa difícil situação de efetivos, o general Alexander, comandante do 15º Grupo de Exércitos (V Ex EUA e VIII Ex Britânico) desencadeou, em 25 de agosto, um ataque com o VIII Ex pela costa do Adriático. O TO italiano, que já fora prioritário para abertura da Frente Ocidental em 1943, perdera sua importância depois da invasão da Normandia e do sul da França, mas era crucial para manter em linha um considerável efetivo de tropas alemães, quase meio milhão de homens, que poderia ser desviado para outras frentes da guerra.

Quando o ataque inglês na costa adriática perdeu a impulsão no início de setembro, surgiu uma oportunidade para o V Ex EUA atacar Bolonha, o que foi tentado pelos americanos com a 88ª Divisão de Infantaria, sem êxito. Fora lançado, no entanto, o grito de guerra “Bolonha antes do Natal”, um objetivo que fazia sentido, pois a cidade poderia servir, no mínimo, de uma excelente base de inverno e, eventualmente, de pivô para abrir caminho rumo à fronteira da Áustria.

Esse foi o momento em que a FEB começou a chegar à Itália, entrando em combate, a 15 de setembro, como Grupamento Tático (GT) organizado em torno do 6o RI, Regimento Ipiranga, que chegara à Itália em julho, no 1º escalão de transporte. Em outubro, no dia 11, chegaram à Itália os 2º e 3º escalões, com o 1º e 11º RI, do Rio de Janeiro e Minas Gerais, respectivamente. A essa altura, as tropas aliadas em posição no vale do Reno, importante zona de ação do V Ex EUA, pelo reduzido efetivo e desgaste sofrido, estavam em virtual colapso, obrigando o comando norte-americano a empregar grupamentos táticos apressada e heterogeneamente formados para mobiliar a frente. A FEB se tornara no último trunfo do comando aliado.

2. HONRA

Foi nesse cenário que, durante a Conferência do Passo de Futa, reunindo, em 29 de outubro, os comandantes de divisão do V Ex EUA, ficou decidido que a 1ª Divisão de Infantaria Divisionária (1ª DIE), o elemento operacional da FEB, seria imediatamente empenhada no Vale do Reno, substituindo o GT da 1ª Divisão Blindada que ali operava.

No cumprimento dessas decisões, o comandante da FEB e da 1ª DIE, o general Mascarenhas de Moraes, assumiu o comando das forças brasileiras no vale do Sercchio, extinguindo o Destacamento FEB e realizando, entre 1º e 4 de novembro, a transferência de suas tropas para o vale do Reno, distante 120 km. Enquanto isso, os generais Zenóbio da Costa, comandante da Infantaria Divisionária, e Cordeiro de Farias, comandante da Artilharia Divisionária, desincumbiam-se do aprestamento e treinamento do 1º RI (Regimento Sampaio) e 11º RI (Regimento Tiradentes) e dos três grupos de artilharia recém-chegados.

No vale do Reno, a FEB herdou uma péssima situação tática, em um terreno difícil e sem o controle dos seus meios.

Os alemães haviam organizado nesse setor uma forte posição defensiva apoiada nas alturas dos Montes Apeninos que dominava a estrada 64, que ligava Pistóia a Bolonha, desfrutando de comandamento de vistas e de fogos sobre as forças aliadas. A FEB iria assumir uma frente de 15 km devendo realizar operações ofensivas sabidamente além do seu poder de combate.

Ao Norte, o setor brasileiro era dominado pelas alturas de La Croce e Castelnuovo e pelo espigão de Soprassasso que se intrometia em nossas posições. A Oeste, o domínio alemão do terreno era garantido pela posse do arco De La Vedeta – De La Torracia – Gorgolesco – Belvedere, do qual se destacava de De La Torracia o garupão meridional de Monte Castelo que funcionava como baluarte de todo o maciço.

Imagem 1 – Linhas de contato da 1a DIE entre novembro de 1944 e março de 1945

A tropa brasileira que entrou em linha no vale do Reno era o 6º RI, unidade que, com seus elementos de apoio ao combate, lutava há 45 dias no Vale do Sercchio e tinha enfrentado um sério engajamento com forças veteranas alemães em 30 e 31 de outubro. Praticamente sem nenhum descanso, os batalhões brasileiros transferidos para o vale do Reno foram alocados a grandes unidades e grupamentos aliados que estavam em condições ainda piores, estando a frente do V Ex EUA nesse setor à beira de um desastre.

Para agravar a situação, contrariando o estipulado na conferência do Passo de Futa que previa a distribuição de equipamento e armamento aos regimentos recém-chegados até o dia 16 de novembro e o seu adestramento até 10 de dezembro; o 1º RI entrou em linha a 19 de novembro, para substituir o exausto 6º RI; e o 11º RI, que mal completara o recebimento de seu armamento, deixou o acampamento em Pisa em 27 de novembro, para entrar em combate 2 dias depois.

Em um momento difícil da guerra na Itália, alinhando-se a combatentes de outras nações que há mais tempo sustentavam uma dura luta contra um inimigo experiente e bem posicionado, a FEB entrava em combate em difíceis condições, disposta a sustentar a honra das armas do Brasil. Não tardou para que o sangue brasileiro empapasse a lama e a neve no Vale do Reno.

3. DEVER

Os primeiros ataques a Monte Castelo foram realizados sob comando norte-americano contando com tropas brasileiras. No dia 24 de novembro, a Task-Force 45 (TF 45), do general Paul Rutledge, realizou a primeira investida contando com um batalhão brasileiro, o III/6º RI, e o Esquadrão de Reconhecimento.

Do posto do posto de comando do III/6º RI, o general Mascarenhas de Moraes acompanhou pela vista a progressão das companhias em primeiro escalão sob fogos de artilharia e morteiros inimigos. O tenente-coronel Castello Branco, chefe da seção de operações da 1ª DIE, acompanhou uma das companhias do escalão de ataque. Tanto essa ação, como a levada a cabo no dia seguinte, 25 de novembro, falharam devido à evidente falta de poder de combate. Diante da insistência do general Mascarenhas de Moraes em retomar o comando das unidades brasileiras, o comandante do IV C Ex EUA, general Crittenberger, atribuiu à 1ª DIE a missão de conquistar Monte Castelo.

Para o terceiro ataque a Monte Castelo, o comando da 1ª DIE organizou um grupamento sob o comando do General Zenóbio da Costa, constituído pelos I/1o RI (Batalhão Uzeda), III/1o RI (Batalhão Cândido) e III/6o RI (Batalhão Silvino), reforçados por 3 pelotões de carros de combate americanos e apoiados por dois grupos de artilharia brasileiros. Na véspera do ataque, a 232a DI alemã atacou os norte-americanos em Belvedere e os expulsou da posição que haviam conquistado quatro dias antes, expondo de antemão o flanco esquerdo do ataque brasileiro.

Às 07hs00 do dia 29 de novembro, sob forte chuva, sem apoio aéreo, com poucos carros-de-combate conseguindo acompanhar a progressão devido à lama, os Batalhões Uzeda, à esquerda, e Cândido, à direita, avançaram em 1o escalão sobre Monte Castelo.

Apesar do terreno desfavorável e dos fogos de armas automáticas partidos de Belvedere, o ataque correu bem até o meio-dia, chegando o Batalhão Cândido às proximidades do objetivo. No entanto, no final da tarde, contra-ataques alemães forçaram os batalhões brasileiros a voltarem à linha de partida, depois de sofrerem 190 baixas.

No dia 12 dezembro, cumprindo ordens do IV CEx, a 1a DIE realizou o quarto ataque sobre a linha Monte della Torraccia – Monte Castelo – Belvedere. O ataque, novamente sob o comando do General Zenóbio da Costa, constava de uma ação principal a cargo dos II e III batalhões do 1o RI, batalhões Sizeno e Franklin, sobre Monte Castelo, coberto pelo 11o RI que atuaria sobre Falfare.

O ataque de 12 de dezembro foi dramático. Patinando na lama, batida desde a linha de partida por fogos ajustados e de armas automáticas, a infantaria brasileira avançou sob chuva e névoa, sofrendo pesadas baixas, chegando alguns de seus homens a pisar no topo de Monte Castelo, de onde foram expulsos por contra-ataques alemães.

As péssimas condições atmosféricas impediram o apoio aéreo e concorreram para erros de observação que prejudicaram a coordenação de apoio de fogo. O retroceder das tropas também foi extremamente difícil, executado já sob pouca luminosidade. Sacrifícios adicionais foram cometidos para resgatar feridos, no que se destacou o sargento Max Wolff.

O Ministro da Aeronáutica Salgado Filho, naquele momento presente no QG da 1ª DIE, percebendo a seriedade da situação, interrompeu a visita, dirigindo palavras respeitosas aos oficiais presentes sobre a gravidade do momento para o Brasil.

Depois de conquistado Monte Castelo, em 21 de fevereiro de 1945, conforme depoimento do 1° Tenente de Engenharia Paulo Nunes Leal, incumbido de verificar se havia armadilhas nos cadáveres de cerca de quarenta brasileiros encontrados no sopé do monte, pôde-se ter uma ideia do que fora o ataque de 12 de dezembro de 1944.

O grupo de brasileiros foi encontrado com suas armas, na posição de rastejo, todos alvejados precisamente na cabeça de posições alemãs dominantes cuidadosamente escolhidas quando, provavelmente atingiram uma linha de armadilhas, previamente designada para abertura de fogo (LEAL, 2000, p. 106).

Os brasileiros não tiveram a menor chance de conquistar Monte Castelo no ataque de 12 de dezembro, mas a noção de dever, de cima a baixo na 1ª DIE, jamais os fez hesitar.

4. PERSEVERANÇA

A posição dos aliados, em particular dos brasileiros, em frente ao maciço de Monte Castelo era vulnerável e limitada. O sucesso da ofensiva sobre Bolonha dependia da liberação da rodovia 64 e da conquista de observatórios com vistas profundas sobre o dispositivo alemão. E era preciso eliminar o saliente alemão no maciço dos Apeninos.

O inverno de 1944, um dois mais rigorosos já registrados, foi difícil para os aliados no sopé dos Apeninos. De suas posições dominantes, os alemães controlavam todos os movimentos e lançavam seguidos golpes de mão. A sua audácia chegou ao ponto de lançarem, junto com italianos fascistas, na noite de 25 de dezembro um ataque sobre o flanco esquerdo do V Exército visando Livorno, porto estratégico no Mar Tirreno. A ofensiva foi detida com o rápido emprego de uma divisão indiana e 4 norte-americanas.

Houvera também importantes alterações na cadeia de comando aliada. O Marechal Alexander assumiu o comando do Teatro de Operações da Itália, o General Mark Clark o XV Grupo de Exércitos e o Tenente-General Lucian King Truscott o V Ex. O General Truscott, na primeira reunião que teve com o General Mascarenhas de MORAES, disse que a 1a DIE seria tratada como uma divisão norte-americana.

Para os brasileiros, no entanto, o inverno foi mais do que um período de defensiva enquanto se aguardava o ataque geral na Itália. Foi durante o inverno que os regimentos que haviam chegado por último do Brasil se nivelaram ao 6o RI, que as patrulhas brasileiras se destacaram em audaciosos golpes de mão contra as posições alemães, inquietando o inimigo e tomando-lhe prisioneiros.

Um deles, ao ser interrogado e notar a presença do comandante da FEB, arrogante, pediu que fosse transmitido um recado ao general: que eles só sairiam de Monte Castelo na primavera.

5. VITÓRIA

No dia 12 de fevereiro, o General Mascarenhas de MORAES recebeu a missão do IV CEx de atacar e conquistar Monte Castelo, no contexto da operação Encore, a cargo daquele grande comando norte- americano. A operação envolvia a 1a DIE e a 10a Divisão de Montanha que deveriam atuar em íntima ligação. Depois que a divisão norte-americana conquistasse Mazzancana, os brasileiros a ultrapassariam e iniciariam seu ataque, devendo as duas divisões operar simultaneamente: a 10a Divisão sobre Monte della Torracia e a 1a DIE sobre Monte Castelo.

A 10a Divisão iniciou seu ataque às 23:00hs do dia 19 de fevereiro, progredindo sobre Monte Belvedere e Monte Gorgolesco, onde os alemães apresentaram fortes resistências. A ação prosseguiu durante o dia 20, que contou com o apoio do 1o Grupo de Aviação de Caça brasileiro (1o GAvCa) bombardeando Mazzancana, que caiu às 17:00hs.

O ataque principal sobre Monte Castelo seria realizado pelo 1o RI, do Coronel Caiado de Castro, empregando em primeiro escalão, à esquerda, o 1o Batalhão (I/1o RI), do Major Uzeda, e à direita o 3o Batalhão do 1o RI (3o/1o RI), do Major Franklin, seguindo em reserva o 3o Batalhão (3o/1o RI), do Major Sizeno. O ataque secundário seria realizado sobre a famigerada Abetaia pelo 2o Batalhão do 11o RI (II/11o RI), do Major Ramagem. Mais à direita, o 6o RI, do Coronel Nelson de Melo, faria a ação diversionária (vide IMAGEM 1). A reserva da Divisão era o III/11o RI, do Major Cândido.

Um total de 78 peças de artilharia, 60 dos quatro grupos de artilharia da 1a DIE reforçadas por 18 peças do IV CEx, proporcionavam o apoio de fogo ao ataque, com o I Grupo, do Coronel Levi Cardoso, em apoio direto ao III/1o RI; o II Grupo, do Coronel Da Camino, em apoio direto ao III/1o RI; e os III e IV Grupos, dos Coronéis Sousa Carvalho e Panasco Alvim, este último de calibre 155mmm, em ação de conjunto em proveito de toda divisão. A 1a Companhia, comandada pelo Capitão Moller, do 9o Batalhão de Engenharia de Combate foi destacada para acompanhar o ataque do 1o RI.

A operação exigia uma perfeita sincronização das duas divisões, uma vez que Monte Belvedere, Monte della Torracia e Monte Castelo formavam um só conjunto topotático que dominava a rodovia 64. Às 18:00hs do dia 20, uma vez conquistada Mazzancana pelos norte-americanos, o I/1o RI, incumbido do ataque principal do regimento, colocou-se em posição de ultrapassar a 10a Divisão. Essa delicada operação de ultrapassagem dos norte-americanos pelo Batalhão Uzeda foi realizada à noite, sem incidentes (IMAGEM 2).

Imagem 2 – Ataque a Monte Castelo (Seção de Ensino “A”, AMAN)

Às 05:30hs de 21 de fevereiro iniciou-se o ataque, com a 10a Divisão avançando sobre della Torracia e os brasileiros sobre Monte Castelo. Cabia ao I/1o RI conquistar antes a cota 875, Fornace (O1), para seguir pelo sul de Malandrone, e daí, junto com o III/1o RI investir (O2), o Monte Castelo (IMAGEM 3).

O ataque do I/1o RI começou bem, apesar do terreno difícil e compartimentado. No entanto, o recrudescimento dos fogos de armas automáticas inimigas logo empenhou todas as companhias do batalhão. Seu comandante solicitou então o reforço da 5a companhia do II/1o RI, da reserva do regimento, que estava articulada com o I/1o RI. O comandante do regimento considerou o emprego da reserva prematuro, mas notando sucesso da manobra desbordante da 1a companhia do batalhão sobre Cota 1036. Quando o batalhão, com suas 3 companhias em primeiro escalão, agora reforçado pela 5a/II, preparou-se para atacar cota 930, recebeu de Monte Castelo intenso fogo, que foi neutralizado pela artilharia e pelas armas do batalhão, o que permitiu a ocupação da cota.

O III/1o RI, o batalhão Franklin, que de início avançou com alguma facilidade, encontrou várias casamatas alemães que opuseram forte resistência, só reduzida pelos intensos fogos da artilharia brasileira. À sua direita, progredia bem o batalhão Ramagem, o II/11o RI, sobre Abetaia, contribuindo para o avanço do I/1o RI.

Imagem 3 – Ataque a Monte Castelo (detalhe) (Seção de Ensino “A”, AMAN)

Por volta das 15:00hs, o I e III do 1o RI estavam prontos para atacar Monte Castelo. Nesse momento, porém, uma companhia da 10a Divisão, desorientada, entra na zona de ação do 1o RI e, tomando os brasileiros pelo inimigo, abre fogo sobre o I/1o RI.

Superada a confusão e afastada a companhia norte-americana, a artilharia brasileira pode realizar, às 16:00hs, a preparação de fogos sobre Monte Castelo, desencadeando-se ao assalto às 16:20hs. Com o ataque em curso, o comandante do regimento decidiu empregar o batalhão reserva. Os alemães cederam por volta das 18:00hs.

Antes que viesse a primavera, Monte Castelo fora conquistada, o que causou grande repercussão no âmbito do IV CEx, cujo comando mostrou-se surpreso com a iniciativa e agressividade dos brasileiros no flanco direito da 10a Divisão. A 1a DIE teve 112 baixas no ataque e fez 27 prisioneiros, antes que a guarnição alemã se retirasse ao perceber que ia ser envolvida.

No Vale do Reno, estavam garantidas as condições para a ofensiva aliada de primavera que haveria de pôr fim à guerra na Itália. A divisão brasileira havia desenvolvido a capacidade de operar integradamente, conquistando uma grande vitória, a primeira das que se seguiriam.


[1] Baseado no livro “Cinco Séculos de História Militar do Brasil: espaço, cultura, sociedade e nação” de autoria do editor-chefe do site, a ser lançado em março de 2021.