Passo do Rosário, a batalha da primeira vitória do Brasil

Em 20 de fevereiro de 1827, o Exército do Sul, sob o comando do Marquês de Barbacena, incumbido da defesa da fronteira do Rio Grande do Sul face à invasão realizada por argentinos e uruguaios, venceu a batalha do Passo do Rosário contra o Exército Republicano, comandado pelo general argentino Alvear, que mais numeroso pretendia destruí-lo para anexar a Buenos Aires o atual Uruguai e separar a província do Rio Grande do Sul do Brasil.  

A batalha travada entre 07hs30 e 14hs00, embora inconclusa, foi das mais decisivas da História Militar do Brasil.

Depois de partir, por volta da 1 hora da manhã do dia 20, da estância de Antônio Francisco, onde estacionara na noite de 19,o Exército do Sul se deparou, por volta das seis horas da manhã, com as tropas platinas posicionadas nas alturas da denominada Coxilha de Santa Rosa, a seis quilômetros do Passo do Rosário. Com um efetivo de menos de seis mil homens[1], Exército do Sul iria enfrentar mais de nove mil platinos. 

As forças brasileiras marchavam em coluna, dentro da ordem de batalha definida desde 5 de fevereiro (FRAGOSO, 1951, p. 241) e na seguinte ordem de marcha:

  • 2a Brigada de Cavalaria Ligeira, sob o comando do Coronel Bento Gonçalves, com cerca de 600 homens:
    • 21o RC, de Rio Grande, sob o comando do Major M. Soares da Silva;
    • 39o RC, da Vila de Serro Largo, sob o comando do Tenente-Coronel oriental Isas Calderon.
  • 2a Divisão, sob o comando do Brigadeiro João Crisóstomo Calado, com cerca de 1.600 homens:
  • 2a Brigada de Infantaria, sob o comando do Coronel José Leite Pacheco:
  • 13o BC, da Bahia, sob o comando do Tenente-Coronel Moraes Cid[2];
  • 18o BC, de Pernambuco, sob o comando do Coronel Bento José Lamenha Lins.
  • 3a Brigada de Cavalaria, sob o comando do Coronel João Cláudio de Barbosa Pita:
  • 6o RC, do Rio Grande do Sul, sob o comando do Major Bernardo Joaquim Correia;
  • 20o RC de Milícias, de Porto Alegre, sob o comando do Coronel J.J. da Silva;
  • Esquadrões da Bahia, sob o comando do Major Luís da França Pinto Garcez.
  • 4a Brigada de Cavalaria, sob o comando do Coronel Tomás José da Silva:
  • 3o RC, de São Paulo, sob o comando do Tenente-Coronel Xavier de Sousa;
  • 5o RC, do Rio Grande do Sul, sob o comando do Coronel Felipe Néri de Oliveira.
  • Artilharia com 12 peças, conduzidas e guarnecidas por 240 homens, sob o comando do Coronel Tomé Madeira:
  • 4 Baterias de duas peças de 6 [3], do 1o Corpo de Artilharia Montada do Rio de Janeiro sob o comando do 2o Tenente Mallet, do 1o Tenente Português Pereira e dos Capitães Correa Caldas e Lopo Botelho. 
  • 4 peças de 6, sendo um obus, do Regimento de Artilharia de Posição de Santa Catarina, sob o comando do Major Samuel da Paz. 
  • 1a Divisão, sob o comando do Brigadeiro Sebastião Barreto Pereira Pinto, com cerca de 2.700 homens:
  • 1a Brigada de Infantaria, sob o comando do Coronel Leitão Bandeira:
  • 3o BC, do Rio de Janeiro, sob o comando do Major J. Crisóstomo da Silva[4];
  • 4o BC, do Rio de Janeiro, sob o comando do Tenente-Coronel Manuel Freire de Andrade;
  • 27o BC, de mercenários alemães, sob o comando do Major Luís Manoel de Jesus. 
  • 1a Brigada de Cavalaria, sob o comando do Coronel João Egídio Calmon:
  • 1o RC, do Rio de Janeiro, sob o comando do Tenente-Coronel Sousa da Silveira[5];
  • 24o RC, de guaranis das Missões, sob o comando do Major Severino de Abreu.
  • 2a Brigada de Cavalaria, sob o comando do Coronel Araújo Barreto[6]:
  • 4o RC, do Rio Grande do Sul, sob o comando do Tenente-Coronel M. Barreto Pereira Pinto;
  • 40o RC, de Santana do Livramento, ou Lunarejo, sob o comando do Tenente-Coronel José Rodrigues Barbosa;
  • Esquadrão de Lanceiros alemães, sob o comando do Capitão von Quast.

 Atrás, vinham os trens de campanha e bagagens.  A vanguarda, sob o comando do Marechal Abreu, partira mais cedo e ia a certa distância da coluna principal, composta por 560 milicianos. Feito o contato, o Comandante em Chefe e seu Chefe de Estado-Maior fizeram um rápido reconhecimento e decidiram atacar o inimigo que se posicionara no alto da coxilha que corria paralela à sanga que dividia a baixada. 

A tropa brasileira trocou os cavalos e começou a se desenvolver no terreno, deixando a formação de marcha, para adotar o dispositivo de ataque, concebido pelo Chefe de Estado-Maior, com a 1a Divisão em 1o escalão e 2a Divisão em 2o escalão, sendo empregada a 2a Brigada de Cavalaria Ligeira para cobrir o flanco direito do Exército, enquanto a vanguarda de Abreu, à esquerda, mantinha contato com o inimigo. Enquanto esse movimento se fazia, e a vanguarda de Abreu e a 2a Brigada de Cavalaria Ligeira trocavam tiros com os atiradores inimigos além da sanga, o Marechal Brown posicionou a 1a Divisão para o ataque. A 2a Divisão não conseguiria adotar o dispositivo de ataque, uma vez que ela seria logo engajada pelas forças de Lavalleja, no flanco esquerdo do Exército do Sul.

O ataque às posições inimigas iria se desencadear, portanto, somente com a 1a Divisão, sem que ela contasse com um apoio ou uma reserva. Às 07hs30, pronto o dispositivo, a bateria de artilharia comandada pelo Tenente Mallet, que estava com a 1a Divisão, abriu fogo e a sua 2a Brigada de Cavalaria carregou, com o comandante do 20o RC à frente, o Tenente-Coronel Rodrigues Barbosa, fazendo os atiradores do 5o BC e cavalaria inimigas recuarem. A 1a Brigada de Infantaria, do Coronel Leitão Bandeira,  ultrapassou, então, a sanga e começou a subir a coxilha, levando de vencida elementos do 5oBC que desceram a elevação para hostiliza-la. Nesse entrevero, o 27o BC levou a melhor sobre seu adversário, o 5oplatino, que sofreu diversas baixas e, mesmo reforçado, recuou em confusão. 

A infantaria da Divisão continuou a avançar, seguida agora pela 2a de Cavalaria. A Divisão do General Laguna, carregou três vezes sobre ela, sendo repelida com muitas perdas, dentre as quais, o Coronel Leonardo Oliveira, morto, e o Capitão Pedro de Melilla e vários homens feitos prisioneiros. O avanço de Barreto levou o comando platino a deslocar quase toda a sua infantaria (1o, 2o e 3o BC) e toda a artilharia para o centro ameaçado, que iniciaram intenso fogo contra as forças brasileiras, sem, no entanto, atrever-se a avançar sobre ela. Pressentindo novos ataques, com a reunião de forças de cavalaria à infantaria inimiga, o Comandante da 1a Brigada, Coronel Leitão Bandeira, determinou que a infantaria formasse quadrados para receber as cargas iminentes.  Alvear empregou um de seus melhores e melhor armados regimentos, o 3o RC, de Brandsen, contra a 1a Divisão, em carga por escalões, ataque que também fracassou, morto o próprio Brandsen por um tiro de fuzil. Seguiu-se nova carga, do 2o RC, de Paz, também sem sucesso. 

Nessas ações da 1a Divisão, a unidade que suportou o maior peso dos ataques inimigos foi o 4o BC, o qual teve feridos o seu comandante, o Tenente-Coronel Freire de Andrade, com gravidade, e mais quatro oficiais; e mortos o Major Galamba e os Capitães Ferreira e Vasconcelos, o que levou o Coronel Leitão Bandeira, comandante da brigada, a acumular o comando do 3o e 4o BC.   Entre 07hs30 e 13h00, hora que Barbacena determinou o rompimento do combate, a 1a Divisão do Exército do Sul fez recuar o 5o BC, venceu a Divisão Laguna, sustentou cerrado fogo com toda a infantaria e artilharia platinas e fez fracassar as cargas do 3o e 2o RC. Durante a batalha, a 1a Divisão permaneceu senhora do terreno em que combateu, permanecendo em  atitude ofensiva durante a maior parte do tempo e formando quadrados apenas para receber as cargas inimigas que desbaratou.

Enquanto a 1a Divisão de Barreto acometia o centro do dispositivo das forças de Alvear, a 2a Brigada de Cavalaria Ligeira permanecia na sua missão de cobertura do flanco direito. Porém, inesperadamente, o 39o RC, sob o comando do oriental Isas Calderon, saiu da formação, abandonando o campo de batalha, deixando Bento Gonçalves apenas com o 21oRC, do Major Soares da Silva, com cerca de quatrocentos homens. Os regimentos de Lavalle e Vilella, com aproximadamente 800 homens, carregaram sobre ela, dispersando-a, embora Bento Gonçalves e os remanescentes da 2aBrigada continuassem na luta.  Provavelmente, foram esses regimentos de Lavalle e Vilella que se lançaram, em seguida, contra a 1a Brigada de Cavalaria, na direita da Divisão Barreto, da qual o 24o RC, de guaranis das Missões, debandou, restando apenas o 1o RC que suportou sozinho o combate nesse flanco, perdendo quase a metade de seu efetivo[7]. Dessas unidades ficaram mortos no campo de batalha o Comandante do 24o RC, Major João Severino de Abreu, e cinco oficiais do 1o RC: o Capitão João Antônio dos Reis, o Tenente Amador de Lemos, o Alferes José Francisco de Melo, o Quartel-Mestre Joaquim Plácido Nogueira e o Cirurgião Ajudante Antônio Pereira Ferreira.  

Ao mesmo tempo em que a 1a Divisão combatia do outro lado da sanga, o Brigadeiro Andréa, cavalgando no campo de batalha para expedir ordens do Comandante em Chefe e verificar a situação, orientou a bateria do Tenente Mallet – à qual haviam se juntado parte do 1o RC e um destacamento de 30 ou 40 caçadores do apoio à artilharia – a dirigir tiros contra a cavalaria inimiga que, infiltrada, vinha agora da retaguarda. A traição do 39o RC e a fuga do 24o RC foram acontecimentos graves que deixaram o flanco direito brasileiro exposto e custaram caro ao 1o RC. Essa crise no flanco direito, que poderia ter comprometido a 1a Divisão, só não foi pior porque a essa altura havia sido transferida para aquele setor a 3a Brigada de Cavalaria[8] (Coronel Barbosa Pita), até então mantida em reserva pelo comandante da 2a Divisão, o Brigadeiro Calado, que já repelira dois ataques da cavalaria inimiga, o último deles enfrentado pelo 20o RC, de Porto Alegre, dessa brigada, junto com o 5o RC, da 4a Brigada de Cavalaria. Essa 3a Brigada atuou de forma quase independente no flanco direito, substituindo a 2a Brigada de Cavalaria Ligeira, pois o 6o e 20o RC, bem como o Esquadrão da Bahia[9], que a constituíam, foram citados pelos seus feitos em combate (pelo Marquês de Barbacena, o 20oRC, e pelo Quartel-Mestre, Tenente-Coronel Miranda e Brito, o esquadrão).

A artilharia brasileira foi empregada de maneira descentralizada, e não numa única bateria como fizeram os platinos. Tasso Fragoso diz que as oito peças do 1o Corpo de Artilharia a Cavalo estavam “associadas à 1a Divisão” e as quatro peças do Regimento de Artilharia de Posição de Santa Catarina “associadas à 2a Divisão” (FRAGOSO, 1951, p. 243 e 244). Já o Tenente-Coronel Miranda e Brito, Quartel-Mestre General, informa em sua parte de combate que “a artilharia estabeleceu duas baterias em lugares oportunos com 4 peças em cada Divisão e 4 para reserva e movimentos” (Ibid., p. 414).  O Marechal Brown e o Tenente-Coronel Miranda Brito testemunham que o ataque da 1a Divisão foi apoiado por duas peças comandadas pelo 2o Tenente Mallet. Quanto ao início da ação, Miranda e Brito e o Brigadeiro Calado, Comandante da 2a Divisão confirmam que a abertura de fogo foi geral, entre 7 e 8 horas, segundo este último, e às 07hs30, de acordo com o primeiro. Calado testemunhou o início do fogo de artilharia da peça que havia sido destacada com Abreu e de uma bateria de duas peças que estava no centro da posição, protegida por uma companhia de caçadores, perto da posição inicial de Barbacena. Estas duas peças seriam incorporadas por Calado à sua Divisão que as empregou nos “ângulos do quadrado” formado pela 2a Brigada de Infantaria para receber a cavalaria inimiga. Os esboços de Seweloh confirmam o emprego de duas peças de artilharia com a 2a Divisão durante seu combate defensivo com a cavalaria platina. A peça destacada com Abreu seria perdida ante a carga inimiga que fez debandar sua vanguarda e, em seguida, retomada pelo 5o RC, por ordem de Calado.

Depoimentos constantes das partes de combate atestam o bom resultado alcançado pela artilharia do Exército do Sul na batalha. Brown lamentou que “o mau estado das bêstas de nossa Artilharia não permita fazer maior uso dessa arma”, mas assinalou que “o tenente Mallet, comandante de duas peças de artilharia, que protegia o ataque da 1a Divisão, desempenhou com decidida atividade, e boa eficácia de tiro, o seu dever” (Ibid., p. 411). Miranda e Brito também destacou a atuação de Mallet e informou que “tôda a Artilharia se portou maravilhosamente em todo tempo da ação, que durou oito horas” (Ibid., p. 415). Dos testemunhos, depreende-se que a artilharia brasileira realizou durante a batalha, na medida do possível, o que hoje se chama de manobra de material, o deslocamento das peças de posição em posição, conforme se esgotava o alcance de seus tiros, para fazer o que se chamava de ”acompanhamento”. Mallet acompanhou com suas duas peças a 1a Divisão até a sanga que dividia o campo de batalha, não a transpondo, no entanto. Mas o emprego descentralizado num campo de batalha de linhas descontínuas – por onde galopava a cavalaria inimiga que havia se infiltrado entre as divisões ou as flanqueado – custou caro à artilharia. Dos quatro comandantes de bateria do Corpo de Artilharia a Cavalo, perderam-se dois: o Capitão Caldas, feito prisioneiro, e o 1o Tenente Português Pereira, gravemente ferido, que depois veio a falecer em São Gabriel. A determinada altura da batalha, a bateria comandada por Mallet, que montava não mais a 2, mas até 4 peças, fazia disparos contra a cavalaria inimiga infiltrada pelo flanco direito. Quando Barbacena determina o rompimento do combate, é a 2a Divisão que vai levar ”a maior parte da nossa artilharia em dispersão (…)  na  [sua] frente e guarda” (Ibid., p. 418).

Depois de iniciado o ataque da Divisão de Barreto, a batalha se tornou não linear, não somente porque era considerável o espaço entre as divisões brasileiras, por onde se infiltravam frações de tropa platinas, como pela atuação destas, sem comando e controle de Alvear. Enquanto as 1a e 2a Divisões travavam a batalha principal, ao centro e à esquerda, as tropas brasileiras à sua retaguarda – baterias de artilharia, caçadores em apoio a elas e a 3a Brigada de Cavalaria – envolveram-se em diversos combates contra destacamentos de cavalaria inimiga que vinham do lado direito e da retaguarda. Um deles, que chegou à área de trens na retaguarda, empenhou-se, antes de ser aniquilado, na destruição de carretas de bagagem, aumentando a confusão que aí já se verificava no saque perpetrado por muitos dos seus próprios condutores e desertores. À esquerda, eram menores as oportunidades para a cavalaria inimiga flanquear o Exército do Sul, não só pelo menor espaço na baixada limitada ao sul pelo Arroio Imbaé, como pela presença da Divisão do Brigadeiro Calado.

Desde as 08hs00, no flanco esquerdo do Exército do Sul, os 1.600 homens da 2a Divisão enfrentavam os 2600 cavalarianos do 1o Corpo do Exército Republicano, sob o comando de Lavalleja. Inicialmente, a 2a Divisão, de Calado, esteve à margem da estrada por onde o Exército do Sul chegara ao campo de batalha, ao lado direito da coluna de marcha, sendo, em seguida, posicionada mais à esquerda, por determinação de Barbacena. A grande concentração de cavalaria do 1o Corpo de Lavalleja, percebida por Barbacena, fez cancelar o plano do Chefe de Estado-Maior de empregar a 2a Divisão em apoio ao ataque da 1a, sendo-lhe ordenado que se aproximasse do exército, assumindo uma atitude defensiva na encosta que dominava a baixada às margens do Imbaé.  Nessa posição, à sua esquerda ficou o destacamento de Abreu, e próximo, à direita, uma bateria de artilharia e o Comandante-em-Chefe.  

 Nesse flanco esquerdo, o primeiro choque se deu após o início do ataque da 1a Divisão ao centro, quando os orientais caíram sobre os milicianos de José de Abreu, levando-os de roldão até a beira do quadrado formado pelos 13o e 18o BC, que se viram na contingência de abrir fogo contra a massa de amigos e inimigos que se aproximava perigosamente, perecendo nesse incidente o próprio Marechal Abreu. Realmente, a rajada disparada pelos caçadores e as duas peças de artilharia posicionadas nos ângulos do quadrado foi devastadora, pois deixou o solo juncado de mortos e feridos do inimigo que se retirou. Um segundo ataque foi repelido pelo 5o RC e 20o RC, das 4a e 3a Brigadas de Cavalaria, respectivamente, que integravam a 2a Divisão. Depois disso, com a crise no flanco direito do Exército, o Brigadeiro Calado recebeu ordem de Barbacena para destacar a 3a Brigada de Cavalaria para apoiar a 1a Divisão. Com o efetivo reduzido agora a cerca de mil homens, Calado lançou um esquadrão para afugentar uma força equivalente que buscava envolver sua posição e se preparou para enfrentar os dez esquadrões inimigos que viu se formarem em duas linhas para carregarem contra ele.  Nesse momento, chegou a Calado o Coronel Joaquim Antônio de Alencastro, com ordem de Barbacena para se deslocar com sua Divisão para a direita, certamente para ser empregado no apoio ao ataque final da 1aDivisão que poderia decidir a batalha. Como a ordem de Barbacena era condicionada a estar Calado “desembaraçado do inimigo”, e diante do ataque iminente, o próprio emissário do Comandante em Chefe a cancelou. Calado se preparou então para receber o ataque inimigo, colocando a sua cavalaria à retaguarda do quadrado formado pelos caçadores. A carga foi aguardada pelos infantes do 13o e 18o BC a pé firme, até o inimigo chegar a 20 passos de distância da linha, quando abriram fogo, desbaratando a cavalaria oriental. Saiu-lhe no encalço o 5o RC, com o seu comandante Coronel Neri e o Brigadeiro Calado à frente. Depois dessa ação vitoriosa, chegou a Calado a ordem de retirada, devendo a 2aDivisão seguir a 1a, que já rompera o combate. Dois esquadrões inimigos, identificados por Calado como 2o e 4o, ainda tentaram separar o 5o RC da Divisão, sendo alvejados por rajadas do quadrado da 2a Brigada com tanta eficácia que o primeiro debandou e do segundo só ficarem “16 a 20 homens a cavalo”. Entre 08hs00 e 14hs00, quando iniciou sua marcha na direção de Cacequi, a 2a Divisão desbaratou três ataques inimigos desferidos contra ela em campo aberto por forças numericamente superiores, principalmente no último, quando a força inimiga tinha o dobro de seu efetivo.  

Logo depois do ataque de Barreto, à medida que brotavam da coxilha em frente esquadrões e mais esquadrões inimigos, ficou claro para os comandantes brasileiros que o inimigo estava todo reunido do lado de cá do Santa Maria: o véu se rompera no nível tático. Ao Exército do Sul restou combater para sobreviver à armadilha em que caíra.

A batalha principal teve três grandes ações: o ataque da 1a Divisão, de Barreto; a carga de Lavalle e Vilella contra o flanco direito do Exército e da 1a Divisão; e o sustentado combate da 2a Divisão, de Calado, no flanco esquerdo. Delas, a primeira foi a mais importante e que mais perto esteve de decidir a batalha. Seu ponto culminante aconteceu pelo final da manhã, quando as cargas dos 3o e 2o RC, de Brandsen e Paz, terminaram em desastre, e a Divisão de Barreto se preparava para carregar de frente contra a infantaria e artilharia inimigas postadas no alto da coxilha na posição central. Foi nesse momento que Barbacena tentou trazer a 2a Divisão em apoio à 1a, o que não foi possível devido aquela divisão estar em vias de sofrer novo ataque do 1o Corpo de Lavalleja. Foi também o momento no qual Barbacena – que assistira sua força inverter a situação desvantajosa – constatou a impossibilidade de obter a vitória decisiva que estava ao seu alcance e decidiu romper o combate, por volta das 13hs00. 

A 1a Divisão se desengajou do combate sem dificuldade, mantendo sua liberdade de manobra. A infantaria inimiga com que ela trocava tiros não se aproximou dela, e tampouco a artilharia platina manobrou para canhoneá-la na retirada.  Ao atingir a encosta da coxilha oposta à posição de ataque, de onde partira, dois esquadrões inimigos se aproximaram e gritaram “Viva la Patria!”, ao que a Divisão respondeu “Viva o Imperador!”. Ao notarem que a cavalaria da Divisão manobrava para atacá-los de flanco, eles se retiraram e se reuniram a um corpo de tropa maior que a seguia à distância. A 2a Brigada de Cavalaria Ligeira, cujos remanescentes voltaram ao combate sob o comando de Bento Gonçalves, cobriu o flanco esquerdo da coluna, com duas baterias de artilharia.

A 2a Divisão marchou com a sua infantaria formada em quadrado, levando os feridos no centro, e à frente seguiu a sua cavalaria que reuniu e conduziu sob sua proteção soldados extraviados, cavalhada, gado e parte da artilharia dispersa. O feito da Divisão Calado nessa retirada foi notável, recebendo ele e a tropa, quando se reuniram ao exército à noite, do Marquês de Barbacena em pessoa, os agradecimentos pela sua dedicação, calma e bravura.

O Exército do Sul, com praticamente a metade do efetivo do inimigo, escapara da armadilha e estivera perto de obter uma vitória decisiva no campo de batalha. Além de obter a vitória tática, por ter negado ao inimigo a consecução de seus objetivos, causar mais baixas do que sofreu e ter rompido o contato sem interferências, o Exército do Sul alcançou a vitória estratégica da campanha, obrigando o Exército Republicano invasor a deixar o território brasileiro e o governo de Buenos Aires a pedir paz ao Império. 

O Exército Brasileiro, no cumprimento da defesa da Pátria, vencera a primeira guerra externa da qual participara, permitindo que o Brasil alcançasse, segundo Carlos Oneto y Viana, político e intelectual uruguaio, com a Convenção de 1828 – o acordo de paz que pôs fim à Guerra da Cisplatina – como “o primeiro grande triunfo da diplomacia do Império…”


[1] Barbacena, na sua carta de 25 de fevereiro, cientifica o Ministro da Guerra de que o exército chegou a 7.200 homens quando se reuniu Brown, reforçado por “várias guerrilhas e voluntários”. Porém, mais à frente, Barbacena esclarece que ao chegar aos 7.000 homens e Bento Manuel informar da “retirada inimiga”, isto é, a 15 de fevereiro, começou a sofrer deserções a uma média de 20 homens por dia (FRAGOSO, 1951, p. 407), que diziam ir defender suas casas e famílias. Assim, tirados do efetivo acima os 1.200 homens da 1a Brigada, o número de combatentes do Exército do Sul em Passo do Rosário seria de, no máximo, 5.800 homens.

[2] Durante a batalha, segundo Titara, o comando do 13o BC foi desempenhado pelo Coronel Leite Pacheco, também comandante da 2a Brigada. (p. 130).

[3] 6 libras, o peso do projétil disparado pela peça.

[4] Durante a batalha, segundo Titara e diversas partes de combate, o comando do 3o BC foi desempenhado pelo  Coronel Leitão Bandeira, também comandante da 1a Brigada. (p. 130).

[5] Durante a batalha, segundo as partes de combate do General Brown e do Brigadeiro Barreto, o comando do 1o RC foi desempenhado pelo Major Francisco Xavier Calmon da Silva Cabral, que assumiu também o comando da 2a linha de cavalaria de proteção do flanco direito, composta pelo 1o RC e 24o RC, conforme determinado pelo mesmo Brown. (FRAGOSO, 1951, p. 411). O Major Calmon foi destacado pelo Brigadeiro Barreto em sua parte de combate.

[6] Durante a batalha, segundo a Ordem do Dia sobre a Batalha do Passo do Rosário, do Marquês de Barbacena, e a parte de combate do Brigadeiro Barreto, o comando do 2a Brigada de Cavalaria da 1a Divisão foi desempenhado pelo Coronel Miguel Pereira de Araújo (Ibid., p.409), que assumiu também o comando da 1a linha de cavalaria de proteção do flanco direito, composta pelo 4o RC e Esquadrão de Lanceiros Alemães, conforme determinado pelo Chefe de Estado-Maior, General Brown (Ibid., p. 411). O Coronel Miguel Pereira foi destacado pelo Brigadeiro Barreto em sua parte de combate. 

[7] No esboço que Seweloh fez da terceira posição ocupada pela Divisão Barreto, já não constam o 24o RC e o 1o RC. O 1o RC foi a unidade brasileira que mais baixas sofreu nessa batalha.

[8] Como se verifica na parte de combate do Brigadeiro Calado, a ordem de Barbacena para transferir a 3a Brigada de Cavalaria para o flanco direito tinha por finalidade proteger a 1a Divisão, e ela chegou a Calado depois de iniciado o ataque geral de Barreto, entre 07hs00 e 08hs00 e depois de repelidos os dois ataques à 2a Divisão, portanto, quando se configurara a crise no flanco direito, com a dispersão da 2a Brigada de Cavalaria Ligeira, de Bento Gonçalves, e da fuga do 24o RC, ante a ação inimiga, provavelmente, de Lavalle e Vilella.  

[9] Na parte de combate de Calado, há uma referência a um Capitão Garcez, que permanecera junto à Divisão depois da partida da 3a Brigada e teve dificuldades em fazer seus homens cumprirem a ordem de ataque emitida pelo Comandante da Divisão. Pode ter sido o Major Pinto Garcez, citado por Tasso Fragoso e Titara como Comandante do Esquadrão da Bahia, o que indica que parte desse esquadrão (ou um dos esquadrões) permaneceu com a 1a Divisão, talvez por já estar empenhado. 

Fonte: COSTA, Sérgio Paulo Muniz. A Construção da Fronteira Sul: a Guerra de 1825. IHGRGS; Porto Alegre, 2015.