O que o Bicentenário da Independência nos legará

O estrago que a polarização vem causando parece não ter fim.

Os duzentos anos da independência de um dos maiores países do mundo, uma democracia consolidada e uma das economias mais importantes do planeta, razões de sobra para comemoração, correm o risco de ser ignorados por ele mesmo, o Brasil, o país que vai ficando sem futuro simplesmente porque está perdendo a memória. E o juízo.

As omissões em relação à comemoração do Bicentenário da Independência são eloquentes. Inaugurações são postergadas pelo oportunismo político, comissões são esvaziadas e responsabilidades são pulverizadas, enquanto o mais importante recurso crítico não renovável, o tempo, é desperdiçado.

Algum cínico, num assomo de pessimismo, pode perguntar: comemorar o quê? Miséria, desigualdade, violência e atraso?

A resposta pode ser tão ácida quanto o questionamento. Se não há nada a comemorar, o que estamos fazendo aqui? O que nos espera então; individualmente ou como sociedade? Alienação, negação e nada mais do que as paixões do momento?

Os prognósticos para o Bicentenário são desapontadores. Uns afirmam que em um ano eleitoral, com as opiniões divididas, é impossível haver um mínimo de convergência para organizar um evento desse porte. Outros se movem por uma lógica mais tosca: se não vai acontecer de acordo com o que eu penso, vou tratar de fazer a comemoração que eu quero.

Assim, divididos por tudo e em tudo, vamos deixar passar uma oportunidade histórica de alcançar um mínimo de consenso, não somente para comemorar algo comum, que pertence a todos nós, mas para reiterar os laços de solidariedade que sustentam qualquer vida social, pública e política.

É preciso ignorar muita coisa para afirmar que não temos condições, hoje, por causa de uma eleição ou de divisões políticas, de comemorarmos o Bicentenário da Independência. Há cem anos, a capital da República foi bombardeada por revoltosos que pagaram com o próprio sangue a crença nos seus ideais. A luta política lançou o País num surto de revoltas armadas que riscou o seu território de norte a sul. Mas nada disso impediu que o Brasil festejasse o Centenário da Independência, tomando mais consciência de si mesmo na Semana de Arte Moderna, no surto de inconformismo do Tenentismo e no convite à família imperial para participar das comemorações, todos os acontecimentos que teriam repercussões importantes na vida nacional nas décadas seguintes.

É para isso que servem comemorações cardeais de um país. Não meramente para festejar um acontecimento relevante de um passado distante, mas para ser uma ponte entre gerações, levando os contemporâneos a pensarem além de si mesmos e do seu tempo, o compromisso que verdadeiramente dá sentido a uma nação.

Cem anos depois do Centenário da Independência teríamos nos tornado tão incompetentes? Somos incapazes de lembrar e homenagear o acontecimento que deu soberania à nossa cultura e à nossa maneira de viver? Que nos permite viver em sociedade, onde existimos em nossos direitos e deveres?

Como as medidas açodadas que possam vir a ser tomadas nesse ano, estas linhas também podem ser tardias para ajudar a despertar as vontades em favor de uma comemoração do Bicentenário à altura do Brasil.

Se assim for, se prevalecer a inação e o descaso, se ao fim e ao cabo o Bicentenário acontecer da forma melancólica que marcou os 500 anos do Descobrimento, tido por algumas seitas como “invasão portuguesa”, que as tentativas de o fazer relevante sirvam pelo menos para lembrar a responsabilidade com o que nos acontece.

O que o Bicentenário da Independência nos legará – IHGB – Instituto Histórico Geográfico Brasileiro