O Brasil na 2° Guerra Mundial

RESUMO: No dia 8 de maio de 2021 se completaram 76 anos desde a vitória aliada sobre o nazi-fascismo na Europa, vitória da qual o Brasil participou diretamente na campanha marítima no Atlântico Sul, com sua Marinha de Guerra e Força Aérea, e da guerra na Europa, na campanha no Teatro de Operações da Itália, com a Força Expedicionária Brasileira e o 1o Grupo de Aviação de Caça. Essa participação, iniciada mesmo antes da declaração de guerra à Alemanha e Itália em agosto de 1942, somada às exigências de defesa do território nacional e de segurança das bases aéreas e navais cedidas aos Estados Unidos, bem como de estabilidade no continente sul-americano, particularmente na região do Prata, assinalou o ponderável esforço militar cometido pelo Brasil que haveria de produzir mudanças importantes para o País, abrindo-lhes novas perspectivas, tanto externas, mundial e regionalmente, quanto internas, para o seu desenvolvimento.

1. INTRODUÇÃO

Apreciar o significado da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, passados setenta anos do encerramento do conflito, é uma contribuição importante para a compreensão da história do País, não só no século XX, como ao longo de sua existência como nação independente. Aproximando-se o final da guerra, o Brasil foi o único país realmente cogitado para ocupar uma eventual sexta cadeira  no Conselho de Segurança da ONU[1],  sem dúvida uma expressão de prestígio internacional, porém insuficiente para traduzir a importância da participação do País no maior conflito bélico da História segundo categorizações que contêm um potencial de correlações válidas àquela época e que chegam aos nossos dias.

Na verdade, relacionar a importância ou o significado da participação do Brasil à sua admissão no círculo das grandes potências mundiais, independentemente de haver ou não se concretizado essa hipótese, expressa um descolamento em relação às aspirações da sociedade brasileira, seguida e manifestamente expostas nos diplomas legais de sua organização política, bem como no tocante à sua identidade cultural. E se fosse possível apontar um episódio ao fim da guerra que resumisse à perfeição nossas aspirações e identidade, esse seria a recusa em atender os líderes militares norte-americanos que “desejaram que os brasileiros se mantivessem na Europa, por mais tempo, integrando as forças de ocupação” (CARVALHO, 1998, p. 162) [2].    

O objetivo deste trabalho é apontar o significado da participação do Brasil no conflito por intermédio da expressão característica de tempos de guerra, a militar, a qual foi, como não poderia deixar de ser, condicionada por fatores políticos, econômicos e psicossociais. E conquanto a participação militar do Brasil tenha sido modesta em comparação a muitos beligerantes, a forma pela qual ela se deu em determinado espaço explica a sua efetividade, como se disse, medida não por um prestígio efêmero, mas sim pelas mudanças que ela trouxe para o País, mundial, regional  e nacionalmente.

2. A GUERRA MUNDIAL E O BRASIL

A deflagração da guerra em 1o de setembro de 1939 não alcançou o Brasil desprevenido. O Exército já vinha tomando uma série de medidas com vistas ao aumento de seu poder de combate, como a aquisição de moderno material de artilharia de campanha e antiaérea, reorganização da Aviação do Exército, motorização e mecanização, incremento das radiocomunicações e construção de rodovias e ferrovias no Sul do País. Paralelamente, intensificaram-se as missões de cordialidade com o “propósito de serem estreitadas as relações com os países vizinhos e, particularmente, entre o Exército brasileiro e os das Nações sul-americanas mais próximas” (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 1939, p. 13).

Talvez o mais marcante episódio dessa diplomacia militar tenha sido a visita ao Brasil do então Subchefe do Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, o depois famoso General George Marshall, entre 25 maio e 7 de junho de 1939, retribuída pelo General Pedro Aurélio de Góes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército Brasileiro, que seguiu para os Estados Unidos embarcado no encouraçado Nashville que levava o General Marshall de volta aos Estados Unidos. O interesse de Marshall era obter a concordância do Brasil em relação à instalação de um dispositivo militar norte-americano no Norte e Nordeste brasileiro. O General Góes Monteiro foi recebido nos Estados Unidos como hóspede do governo americano e lá teve duas reuniões, a segunda secreta, com o Presidente Roosevelt, de quem ouviu três recomendações: 1a) ele contava com uma visita do Presidente Vargas aos Estados Unidos; 2a ) o Brasil devia auxiliar o Paraguai; 3a) a guerra arrebentaria naquele ano de 1939 (DUARTE, 1971, p. 61).

No final de 1939, com a Polônia já dividida entre a Alemanha e União Soviética e com esta última atacando a Finlândia, a posição do Brasil pode ser apreciada pela conclusão do relatório do Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, ao Presidente da República, Getúlio Vargas.  

A situação geral da política mundial é de precaução contra os insultos ostensivos de força, que violentando o princípio das nacionalidades, postergam direitos, suprimem liberdades, rompem tratados, deixando à mostra, em plena expansão, o princípio egoísta de espaços vitais e da luta pela existência, que nada respeita nem mede contemplação aos direitos alheios (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 1940, p. 68).

      A derrota da França em maio de 1940 perante as tropas alemãs causou profunda impressão nas nações ocidentais, inclusive o Brasil, e precipitou a adoção das medidas defensivas pelos norte-americanos. Se o afundamento do encouraçado de bolso alemão Graf Spee defronte a Montevideo havia provocado, em dezembro de 1939,  a 1a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas no Panamá, na qual se proclamou a neutralidade do continente, a ocupação alemã da França e da Holanda, países que tinham colônias na América do Sul, gerou, em julho de 1940, nova conferência, a de Havana, em que se firmou um pacto entre as nações americanas pelo qual qualquer ataque a uma delas seria considerado uma agressão a todas elas.

       Em março deste ano, o Exército brasileiro realizou uma importante manobra no campo de instrução de Saican, no Rio Grande do Sul, dirigidas pelo General Leitão de Carvalho, Comandante da 3a Região Militar, reunindo três divisões de Cavalaria. No dia 11 de junho, aniversário da Batalha de Riachuelo, a bordo do encourado Minas Gerais, o Presidente Getúlio Vargas fez um desconcertante discurso que foi tomado como uma manifestação de satisfação com a derrota francesa na Europa, impressão que só a muito custo foi desfeita pelo Ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, e pelo Chefe do Estado-Maior, General Góes Monteiro. No final do ano, o General Góes Monteiro viajou novamente aos Estados Unidos, atendendo ao convite formulado pelos Estados Unidos para uma reunião dos Chefes de Estado-Maior das nações sul-americanas. Na viagem, confessando as reflexões que fez sobre o que se passara na Europa, o General Góes Monteiro escreveu ao seu substituto interino, “recomendando mudanças radicais nos planos de guerra” (DUARTE, 1971, p. 76). Durante a estadia, Góes Monteiro deu início aos entendimentos com a Panair do Brasil para a construção e melhoria das pistas de pouso que interessavam aos norte-americanos no Norte e Nordeste (Ibid., p. 75).

       No ano de 1941 a Alemanha alcançou o clímax de seu poder. Em junho, rompendo o abjeto Pacto Molotov-Ribentrop, ela atacou a URSS. Antes, já dominara os Balcãs e a Grécia, e em fevereiro de 1941 fizera desembarcar em Trípoli, na Líbia, a força  comandada pelo General Erwin Rommel, dando início à campanha do Norte da África que se estenderia até 1943, com repercussões no Atlântico Sul. O sucesso de Rommel na sua ofensiva desencadeada contra os ingleses em março deste ano, somado às notícias de submarinos alemães operando a partir das Canárias, em frente à costa marroquina, e ao domínio francês de Vichy em Dakar, no Senegal, debruçada sobre o estreito do Atlântico Sul, aumentou a ansiedade norte-americana em relação à construção de bases no Nordeste brasileiro. De um lado, os norte-americanos apontavam a possibilidade de os alemães ocuparem rapidamente o Nordeste brasileiro, de onde seria difícil expulsá-los, e, considerando insuficientes os meios militares do Brasil para defender a região, pleiteavam sua ocupação com as próprias tropas, onde construiriam bases aeronavais. Por sua vez, os brasileiros, que já vinham mobilizando consideráveis efetivos para a 7a Região Militar, com seu Quartel-General sediado em Recife, recusavam-se a aceitar a presença de grandes contingentes terrestres norte-americanos em seu território, solicitando, nos termos de acordos já estabelecidos com outros países, o fornecimento de material bélico moderno pelos Estados Unidos para equipar suas tropas que garantiriam a defesa da região e a segurança das bases aéreas norte-americanas e brasileiras. A  extensão, complexidade e gravidade da situação militar do Brasil em 1941 podem ser apreciadas no relatório do Ministro da Guerra ao Presidente da República.

De conformidade com sua ética política, o Brasil não hesitará e pôr-se-á necessariamente ao lado dos povos na luta sem tréguas imposta pelo imperialismo aos países que não se resignaram abrir mão de suas soberanias e independência. Sempre foi este o clima político, dentro do qual viveu e progrediu, no seio da comunidade americana de nações livres, e, na hora amarga, em que a agressão armada insinua uma ponta de lança no coração do Novo Mundo, nossa Pátria não poderia formar noutras fileiras senão naquelas onde reina a Justiça e o Direito.

Infelizmente, porém, nossa situação militar não nos permite sequer a defesa do Brasil metropolitano quanto mais atitude agressiva que exigiria uma declaração de guerra às nações nazi-fascistas-imperialistas.

Nossa situação geográfica é, em face da guerra mundial, bem difícil e complicada. Para um país que não possue uma grande esquadra, nem tem um grande exército, a vastidão do seu litoral e sua extrema área são condições desvantajosas para sua defesa eficaz.

Além disso se atentarmos nas dificuldades momentâneas do comércio exterior devido à guerra; a falta de mercado onde possamos adquirir, em condições vantajosas, os suprimentos de que carecemos: a existência em nosso território de grandes aglomerações estrangeiras e a enorme dificuldade de adquirir, no exterior, os armamentos de que temos urgentemente necessidade, se pensarmos em tudo isso, com critério e patriotismo, verificaremos que a nossa atitude deve ser, acima de tudo, de suma prudência e da mais meticulosa cautela.

E há de sobejo razões para isto.

A Comissão Mixta americano-brasileira, reunida para encarar a possibilidade de defesa conjunta do Continente, vem encontrando certas dificuldades na solução das questões que motivaram sua reunião, por causa da falta de apoio sólido onde se possam arrimar as negociações em curso, sem quebra da nossa soberania e dentro dos verdadeiros princípios de cooperação pan-americana.

Como já tive a oportunidade de participar a Vossa Excelência, semelhantes negociações só poderão prosseguir-se em havendo ambiente favorável e espírito de inteira compreensão das realidades objetivas da comunidade internacional de forma que, de parte a parte, se façam concessões razoáveis e equânimes, que conciliem os postulados da nossa segurança coletiva.

Nossos representantes militares julgaram oportuno suspender provisoriamente as negociações até que se encontrem, por outras vias, melhorias no ambiente político a ponto de favorecer, sem perigo para nossa segurança geral, o prosseguimento das transações.

Não podemos, mesmo sob o falaz pretexto da defesa comum do hemisfério abdicar dos sagrados e inalienáveis direitos, que nos assistem de defender, como já tantas vezes o temos feito, nosso torrão natal.

A situação do Brasil está neste pé: ou viveremos com honra ou sucumbiremos corajosamente, antes que cedermos a quem quer que seja uma parcela sequer de nossa Pátria. (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 1941, p. 125-126).

As melhorias no ambiente político a que o Ministro da Guerra aludia viriam em 1942, com a III Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, ocorrida no Rio de Janeiro, entre 15 e 28 de janeiro de 1942, em seguida ao ataque a Peal Harbor (7 de dezembro de 1941) e à declaração de guerra da Alemanha aos Estados Unidos (11 de dezembro), ao final da qual o Brasil rompeu relações diplomáticas com Alemanha, Itália e Japão.

Seguiram-se, em fevereiro, o afundamento por submarinos alemães dos navios mercantes brasileiros Buarque e Olinda, ao largo da costa norte-americana, e o desaparecimento do navio Cabedelo, provavelmente também por ação de submarino alemão ou italiano. Em março, foram afundados o Arabutã e Cairu; em maio, o Parnaíba, o Comandante Lira e Gonçalves Dias; em junho, o Alegrete e o Pedrinhas; e em julho, o  Tamandaré, o Piave e o Barbacena, totalizando até aquele momento treze navios afundados por submarinos do Eixo em águas afastadas da costa brasileira, sem que fossem ouvidos os protestos diplomáticos do governo brasileiro.

Nesse meio tempo, o Brasil e os Estados Unidos se puseram de acordo sobre as medidas de defesa do hemisfério que caberiam aos dois países, firmando no Rio de Janeiro o acordo de 27 de maio “para regularem o concurso de suas forças militares e econômicas da defesa comum do continente americano” (CARVALHO, 1998, p. 164).

Depois de recuar de um plano de ataque geral aos portos brasileiros, com canhoneamento e minagem das barras, Hitler autorizou um ataque de submarinos à navegação costeira brasileira a ser realizado em agosto de 1942. Entre os dias 15 e 19 de agosto, o U-507, comandado pelo Capitão-de-Corveta Harro Schacht, afundou ao largo da foz do Rio Real em Sergipe e na costa da Bahia, o Baependi, o Araraquara, o Aníbal Benévolo, o Itagiba, o Arará e a embarcação Jacira, com a perda de 607 vidas. No dia 22 de agosto, o governo brasileiro “reconheceu o estado de beligerância imposto pela Alemanha e Itália”  (CARVALHO, 1998, p. 141), no dia 31 foi declarado estado de guerra e no dia 16 de setembro decretada a mobilização geral do País para a guerra.

Com a declaração de guerra, a Marinha do Brasil  (MB) e a Força Aérea Brasileira (FAB) entraram na batalha do Atlântico Sul, comboiando 3.164 navios, desde Trinidad-Tobago a Florianópolis, dos quais 1.577 eram brasileiros. No decorrer dessas operações de comboio, patrulha e bloqueio de mercantes alemães  a MB teve 66 contatos de combate com a Marinha de Guerra alemã e a FAB destruiu um submarino alemão, dos maiores e mais modernos, o U-199. Até o final da guerra, seriam afundados mais onze navios mercantes brasileiros, totalizando trinta e dois navios perdidos, com 972 mortos ou desaparecidos. A Marinha de Guerra perdeu o transporte Vital de Oliveira, torpedeado, a corveta Camaquã, por acidente, e, depois de encerrado o conflito, em 4 de julho de 1945, o cruzador Bahia, em trágico incidente, acumulando 486  mortos ou desaparecidos.

3. A PERSPECTIVA DE TRÊS GUERRAS

A Defesa do Nordeste

Em julho de 1941 se iniciou a convocação de reservistas no Nordeste (DUARTE, 1971, p. 136), sendo a infantaria das novas unidades a serem ali empregadas totalmente mobilizada e armada na região, enquanto as unidades de artilharia, de cavalaria, a maior parte da engenharia, e de comunicações foram transportadas do Rio de Janeiro, conforme depõe em suas Memórias, o General Mascarenhas de Moraes, comandante da 7a Região Militar (Recife-PE) desde 21 de junho de 1940.  Em pouco mais de um ano, o efetivo da 7a RM, ainda de acordo com o seu comandante, subiu de cerca de 6.000 para 50.000 homens, sendo aquele comando inspecionado, em setembro de 1941, pelo Ministro da Guerra, General Dutra, e em abril de 1942, pelo General Leitão de Carvalho, Comandante do Teatro de Operações de Este e Nordeste (TO – E/NE) que compreendia os  Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.  A 16 de abril começava a ocupação militar de Fernando de Noronha. O Brasil completara a ocupação militar do Nordeste e estava agora pronto para firmar o acordo de cooperação militar com os Estados Unidos, pelo qual as forças norte-americanas instalariam bases aéreas e navais na região.

A 4a Frota norte-americana estabeleceu sua base em Recife e dali, contando com unidades navais brasileiras, deu início às suas operações de guerra no Atlântico Sul. Foram estabelecidas diversas bases aéreas norte-americanas e brasileiras na região, as principais em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, e em Recife, das quais se lançaram patrulhas de detecção e combate à navegação inimiga, e mais tarde, depois da invasão aliada no Norte da África, em novembro de 1942, estabeleceu-se uma via aérea até Dakar.

Mesmo depois da invasão aliada no Norte da África, quando se extinguiu a ameaça de um ataque alemão ao saliente nordestino, a presença militar brasileira continuou expressiva, em efetivos e equipamentos, representando o sustentáculo da soberania brasileira na região pela qual fluiu um dos maiores esforços militares da História contemporânea.

Para o Exército brasileiro, que chegou a desdobrar duas divisões de infantaria completas, com as respetivas artilharias orgânicas,  a mobilização para a defesa do Nordeste se constituiu em valiosa oportunidade para a modernização da força, na  medida em que foram recebidos e ali empregados materiais novos, blindados e mecanizados e motorizados que constituiriam, posteriormente, o núcleo de modernidade do exército.

A Ameaça no Sul

Era antiga a preocupação brasileira com uma agressão militar da Argentina, dado o conhecido inconformismo de setores da sociedade daquele país com a configuração geopolítica vigente no Prata. Com a aproximação de nova guerra mundial, esse receio aumentou em vista da nítida aproximação de lideranças civis e militares argentinas com a Alemanha e a Itália.  Paralelamente, a pressão norte-americana pela cessão de bases no Nordeste colocava o governo brasileiro diante de uma difícil decisão de carrear meios militares para aquela região, em detrimento da defesa de outra tradicionalmente ameaçada. Após a visita do General Marshall ao Brasil, em maio e junho de 1939, o General Góes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, começou a estudar cuidadosamente a questão, atento à garantia da soberania nacional no Norte e Nordeste do País onde os norte-americanos pleiteavam a construção de bases aéreas e navais mantidas por suas forças terrestres, inicialmente com vistas à defesa do Canal do Panamá, e posteriormente para constituir o denominado “trampolim da vitória” que levaria aviões, homens e suprimentos para a luta que os Estados Unidos travariam na Europa e na Ásia.

No Sul do País, a existência de núcleos de colonização alemã e italiana resilientes à cultura brasileira e permeados pela ação subversiva das embaixadas alemã e italiana no Brasil que, a partir de 1937,  passaram a dispor “ao lado da representação diplomática, de uma representação partidária” (SEITENFUSS, 2003, p. 51), potencializava a ameaça à segurança nacional, o que levou à tomada de medidas preventivas, não só de aprestamento militar como também de absorção cultural desses contingentes de imigrantes não assimilados, e mais tarde, depois da declaração de guerra, a medidas drásticas, como o isolamento coercitivo de alguns desses grupos. Mas a preocupação real no Sul era com a Argentina, que o governo brasileiro sabia, no início de 1942, “em franca, ativa e rápida mobilização de suas forças armadas, auxiliada por numerosos agentes militares e técnicos, industriais alemães, italianos e japoneses” (GAMA; MARTINS, 1985, p. 361). No entanto, a relativa estabilidade interna da Argentina, a manutenção de um efetivo  considerável do Exército brasileiro na região[3] e uma intensa diplomacia, inclusive militar, mantiveram essas preocupações no nível de cuidadosa atenção.

Em 1943, a situação mudou drasticamente, com a denominada revolução de 3de junho que derrubou o governo constitucional da Argentina, substituído por um governo militar presidido pelos generais Arturo Rawson e Pedro Pablo Ramirez. O problema que surgia era bem maior do que uma ditadura militar, pois, conforme constava do documento obtido pelo Adido Militar brasileiro em Buenos Aires (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 3 de setembro de 1943), o novo presidente, General Ramirez, e o seu Ministro da Guerra, o General Farrel, eram apoiados pelo Grupo dos Oficiais Unidos (G.O.U), um grupo ultranacionalista de militares argentinos com posicionamentos fascistas e expansionistas, já influente antes do golpe e agora no poder. Era figura proeminente do G.O.U o Coronel Juan Domingo Perón, que fora Adido Militar da Argentina na Itália entre 1939 e 1941, colocado agora à testa do Departamento Nacional do Trabalho do governo Ramirez, onde criaria sua base política populista que alavancaria sua ascensão definitiva ao poder. Com a queda do General Ramirez em 25 de fevereiro de 1944, assumiu  a presidência o seu Ministro da Guerra, General Edelmiro Farrel. Com isso, Perón se tornou Vice-Presidente e Ministro da Guerra, acumulando esses cargos com o de Secretário do Trabalho, empolgando incontestável poder no novo regime.

A situação na região se complicou seis meses depois, com um golpe de estado na Bolívia, desencadeado em 20 de dezembro de 1943 pela “logia Razón de Patria (Radepa), organizada por exprisioneros de la Guerra del Chaco y por el MNR[4], partido político que por primera vez llegó al poder, a pesar de estar cuestionado por los Estados Unidos y por fuerzas internas del país” (AGUIRRE, 1999, p. 60). A junta governativa boliviana presidida pelo major Villaroel foi logo reconhecida pelo regime que havia se instalado em Buenos Aires desde junho (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 3 de setembro de 1943), o que levantou suspeitas dos norte-americanos sobre um conluio de interesses contrários aos das Nações Unidas.

A insatisfação norte-americana com a Argentina provinha da sua resistência em romper as relações com os países do Eixo, o que aconteceria, depois de grandes pressões, somente em  janeiro  de 1944, o que, na opinião de historiadores, custaria ao General Ramirez a perda do poder para seu Ministro da Guerra e a radicalização do regime. Com isso, a frustração norte-americana com a Argentina daria lugar a uma crescente irritação, verbalizada mais tarde pelo próprio Presidente Roosevelt, em 30 de setembro de 1944, que se referiu à “crescente aplicação de métodos nazifascistas num país desse hemisfério” (COSTA, 2004, p. 343).

O Brasil já se aproximara da Bolívia no governo anterior, do General Enrique Peñaranda, que visitou o País em junho de 1943[5], logo depois do golpe na Argentina, e agiria com rapidez e habilidade para conter o agravamento da situação decorrente do golpe de dezembro em La Paz. Em 29 de junho de 1944, o  Ministro da Aeronáutica, Dr. Joaquim Pedro Salgado Filho, visitou a Bolívia (ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY, 5 de julho de 1944), sendo alvo de diversas honrarias. A ação brasileira favoreceu as garantias que o novo regime boliviano vinha procurando dar no sentido de reafirmar o seu alinhamento com as Nações Unidas, desanuviando a situação.

No entanto, como se viu acima, na Argentina, ao longo de 1944, a situação continuou a se agravar e o Brasil procurou usar o Comitê Consultivo de Emergência de Montevideo, tanto como um canal de comunicação com Buenos Aires, evitando-se o seu completo isolamento que agravava o risco de guerra, como para a superação da crise boliviana. A imprensa portenha falava abertamente em guerra contra o Brasil e os Estados Unidos fizeram demonstrações navais no Prata. Em 4 de maio de 1944, o ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, General Goés Monteiro, agora enviado especial do governo brasileiro à Comissão em Montevideo, escrevia da capital uruguaia para seu amigo General Dutra, informando que escrevera para o Presidente Vargas e para seu chanceler, o Ministro Oswaldo Aranha,  “sobre a situação na bacia do Prata, a qual permanece estacionária no presente, porém sempre inquietadora para o futuro conforme as circunstâncias que decorrem da guerra” (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 4 de maio de 1944). Também de Montevideo, o Delegado brasileiro escrevia ao General Goés Monteiro, dando conta das grandes manobras do Exército argentino em Córdoba e das declarações atribuídas ao Coronel Perón, já vice-presidente e ministro da guerra,  de que “a guerra entre a Argentina e o Brasil era uma contingencia ineluctavel do destino dos dois povos” (Ibid., 6 de novembro de 1944).

Independentemente de sua consistência, as ameaças argentinas foram levadas em conta pelo governo brasileiro que tomou medidas para a “cobertura no Sul”, transferindo em 1944 o 1o e o 2o Regimento Motomecanizado e o 3o Batalhão de Carros de Combate do Rio de Janeiro para Santo Ângelo, Porto Alegre e Santa Maria, respectivamente, no Rio Grande do Sul (ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO, 1944, p. 14), onde já vinha criando novas unidades de todas as armas, dentre elas o II Grupo do 4o Regimento de Artilharia de Divisão de Cavalaria, atual 27o Grupo de Artilharia de Campanha, em Ijuí, cidade de forte colonização alemã (fevereiro de 1943). No que diz respeito à Marinha de Guerra, o Brasil transformou, em 24 de abril de 1944, o antigo grupo de patrulha naval do Sul em Força Naval do Sul (GAMA; MARTINS, 1985, p. 300), reforçando-o com corvetas da classe Felipe Camarão e a Corveta Jaceguai, em face dos seguidos incidentes com navios argentinos que denunciavam os comboios escoltados pelos navios brasileiros (Ibid., p. 323). A seriedade com que o governo brasileiro tomou as ameaças argentinas pode ser medida pelo fato de que o Chefe da Subcomissão brasileira, General Leitão de Carvalho, só anunciou estar autorizado a participar dos estudos para a constituição de uma força expedicionária do Brasil para combater fora do continente depois que foi aprovada pela Comissão Mista em Washington a recomendação No 15, de 12 de abril de 1944, pela qual se “definia a colaboração dos Estados Unidos no caso de um ataque à região sul do Brasil, durante a guerra que se sustentava contra as potências do Eixo” (DUARTE, 1971, p. 329), reforçando o que previa o Acordo de 27 de maio de 1942.

Imediatamente antes do embarque da FEB para a Itália e enquanto ela entrava em combate na Itália, o Brasil enfrentava no Prata a possibilidade de outro conflito de consequências imprevisíveis. Por mais inverossímil que isso possa parecer, confirmando as palavras do Presidente Roosevelt, a continuidade da influência de Perón, reforçada com sua eleição em 1946, faria com que a tensão militar persistisse no Prata ao longo de todo o seu governo (deposto em 1955), durante o qual a Argentina embarcou num ambicioso e custoso projeto armamentista que esvaiu todas as suas reservas monetárias acumuladas durante a guerra e terminou por inviabilizar sua economia.

Não obstante a atitude da Argentina durante a guerra e as preocupações que ela causou ao governo brasileiro, este empenhou os maiores esforços para superar as fortes resistências que se levantaram contra a admissão daquele país nas Nações Unidas.

A Guerra a Europa

A participação brasileira na guerra na Europa nasceu efetivamente na reunião da Comissão Mista de Washington[6], em 20 de janeiro de 1943, na qual se tratou da cessão ao Brasil de armamento pelos Estados Unidos para a defesa do Norte e Nordeste. Argumentando que “com a posse do norte da África pelas forças anglo-americanas, que lá haviam desembarcado, cessavam os motivos para se temer um ataque inimigo importante contra o Nordeste do Brasil” (DUARTE, 1971, p. 326), o Contra-Almirante Spears, da Subcomissão norte-americana, rejeitou o projeto de Recomendação No 14 preparado pela Subcomissão brasileira, pelo qual os Estados Unidos forneceriam material bélico para equipar três divisões brasileiras incumbidas da defesa daquelas regiões, e “insinuou que ‘se a preocupação do Brasil era obter material bélico, o caminho mais seguro para tal objetivo era o de tomar parte com os aliados, na ofensiva que estes projetavam contra a Europa’ ” (Ibid., p, 327).

Diante do impasse, a Subcomissão brasileira, chefiada pelo General Leitão de Carvalho, não dispondo de autoridade para assumir compromissos além dos previstos no acordo de 27 de maio, optou por uma solução intermediária e protelatória segundo a qual as “três Divisões […] constituiriam uma força apta a ser empregada em outras operações, de colaboração com as forças americanas, segundo decidir do Governo brasileiro” (Ibid.).  O Presidente Getúlio Vargas apoiou[7] a decisão do General Leitão de Carvalho e o cumprimentou, em carta datada de 29 de março de 1943, na qual recomendava que se adicionasse às três divisões uma divisão motorizada. A proposta de acréscimo brasileira não foi aceita pelo General Ord, Chefe da Comissão Mista de Washington, fixando-se a composição da força expedicionária em um corpo de exército composto por três divisões de infantaria.  Mais tarde, o General Ord informou que só poderia garantir a entrega de material para uma divisão apenas, o que, aliado às dificuldades brasileiras para mobilizar e treinar o efetivo de um corpo de exército, terminaria por limitar a futura força expedicionária brasileira a uma única divisão de infantaria.  Ficou acertado também que a força brasileira deveria estar pronta em um ano e que ela seria empregada na Itália, que seria invadida pelas forças aliadas em julho de 1943. No final do ano, uma comitiva brasileira chefiada pelo General Mascarenhas de Morais, comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), viajou ao Norte da África e Itália para conhecer as peculiaridades do Teatro de Operações do Mediterrâneo, onde combatia, na Itália, o 4o Corpo de Exército dos EUA, ao qual em breve iria se juntar a 1a Divisão de Infantaria Expedicionária (1a DIE) da FEB.

Entre a visita da comitiva brasileira no final de 1943 e a entrada em combate do Destacamento FEB (5.075 homens),  em setembro de 1944, a situação no teatro de operações italiano havia evoluído. Em nove meses, depois da queda de Roma, do desembarque aliado na Normandia e do novo desembarque aliado no Sul da França, a Itália passou de única frente de luta aliada na Europa a front secundário, do qual foram extraídas seis divisões aliadas, em meados de junho, para combater na França e que deixou de ser prioritário também para o provimento de material bélico. Além de ser o teatro de operações mais letal para as forças norte-americanas[8] durante a Segunda Guerra Mundial, ali, por ocasião da entrada em linha das forças brasileiras, os efetivos aliados e alemães se equivaliam, cada qual em torno de 22 a 26 divisões, devendo as forças aliadas manterem a ofensiva a todo custo a fim de impedir a transferência dos efetivos alemães para as frentes ocidental e oriental. Assim, a 1a DIE que chegou ao front entre julho e outubro de 1944, constituiu-se em reforço importante num momento crítico da guerra na Itália, onde lutavam apenas 7 divisões de infantaria norte-americanas (MORAES, 2005, p.337).   

A entrada em linha da força brasileira, embora bem vinda num momento difícil para os aliados na Itália, trazia sérias preocupações para o comando do V Exército norte-americano ao qual elas se incorporariam. A propaganda nazista menosprezava o valor combativo da FEB e um revés das inexperientes forças brasileiras teria consequências militares e políticas desastrosas  para o esforço de guerra aliado. Havia precedentes inesquecíveis. Em abril de 1918, os alemães, na abertura de sua grande ofensiva, identificando as tropas sem experiência do Corpo de Exército Português, concentraram sobre ele o peso do ataque, dizimando-o na Batalha de La Lys. Os próprios norte-americanos experimentaram um memorável revés na estreia de suas tropas na batalha do Passo de Kasserine, em fevereiro de 1943, quando sofreram pesadas baixas e originaram questionamentos do próprio Presidente Roosevelt.  

A atuação da FEB na Itália pode ser dividida em cinco fases. A primeira, no Vale do Serchio, entre 15 de setembro e 30 de outubro de 1944, em que o Destacamento FEB, constituído à base no 6o Regimento de Infantaria, perseguiu o inimigo em retirada para a sua nova linha defensiva, a famosa linha Gótica, quase inteiramente bem sucedida, com as conquistas de Camaiore, Monte Prano e Barga, à exceção do revés sofrido em Castelnuovo di Garfagnana, por falhas na reorganização da tropa após a conquista de objetivos, o que traria importantes lições para a FEB.

A segunda fase, a defensiva-agressiva no Vale do Reno, entre 5 de novembro e 12 de dezembro de 1944, contou com toda divisão, sob o comando do General Mascarenhas de Moraes, agora integrada também pelos 1o e 11o Regimentos de Infantaria, recém chegados do Brasil e com seu treinamento e equipamentos incompletos.  Devido à  carência de tropas aliadas e à necessidade de manter a pressão sobre o inimigo, a 1a DIE foi prematuramente empenhada numa extensa frente de quinze quilômetros, com encargos missões de defesa e ataque superiores ao seu poder de combate. Foi um período de grandes sacrifícios para a FEB, com a realização de ataques sucessivos a Monte Castelo, em 24 e 25 de novembro pela Task Force 45 norte-americana, contando com o III/6o RI e o Esquadrão de Reconhecimento brasileiros, e a 29 de novembro e 12 dezembro, pela 1a DIE, sem sucesso e com consideráveis baixas.

A terceira fase seria a da estabilização, entre 13 de dezembro de 1944 e 18 de fevereiro de 1945, depois do “malogrado ataque de 12 dezembro a Monte Castelo […] o último da série de reveses que os aliados vinham sofrendo na Itália” (MORAES, 1969, p. 230), durante a qual a FEB se enrijeceu,  suportando um rigoroso inverno nos Apeninos e empreendendo uma guerra de patrulhas contra o inimigo alojado nas alturas que dominavam a rodovia 64.  Na noite de 25 de dezembro, repetindo o que fizera nas Ardenas, os alemães, tendo reunido 32 divisões contra as 24 aliadas, desencadearam um ataque de surpresa no flanco esquerdo do V Exército, sobre a 92a Divisão norte-americana, que os levou até Barga, anteriormente conquistada pelo Destacamento FEB, sendo detidos a muito custo.

A quarta fase, entre 19 de fevereiro e 6 de março de 1945, seria a da realização do Plano Encore do IV Corpo de Exército norte-americano que enquadrava a 1a DIE. Tratava-se de ataques preliminares à projetada ofensiva de primavera em abril, com o objetivo de conquistar boas posições de partida para a grande ofensiva e que liberassem a rodovia 64, fundamental para o apoio ao avanço na direção de Bolonha. No dia 21 fevereiro, atuando em coordenação com a 10a Divisão de Montanha norte-americana, a 1a DIE conquistou Monte Castelo, seguindo-se as vitória de La Serra (23 de fevereiro) e Castelnuovo (5 de março).

A quinta fase, depois que a FEB foi transferida para o Vale do Panaro, foi a da ofensiva da primavera, ocorrida entre 9 de abril a 2 de maio de 1945, data em que se encerrou a guerra na Itália. Durante esse período, a FEB, com tropa e comando experimentados, explorou ao máximo as oportunidades que se lhe ofereceram, ultrapassando o papel que lhe havia sido reservado nos planejamentos originais do 4o Corpo de Exército e do V Exército norte-americanos. Foi assim que ela assumiu um papel dinâmico, por iniciativa de seu comandante aprovada pelo escalão superior, na proteção do flanco esquerdo do ataque principal da 10o Divisão de Montanha, obtendo a grande vitória de Montese (14 de abril), o primeiro triunfo aliado na grande ofensiva. Em seguida, iniciada a perseguição do inimigo que fugia na direção do Vale do Pó, a FEB surpreendeu aliados e inimigos, embarcando sua Infantaria nas viaturas da Artilharia para bloquear (Collecchio, 26 e 27 de abril), cercar e bater (Fornovo, 28 de abril) a vanguarda da 148a Divisão alemã, levando à rendição dessa grande unidade, dos remanescentes da 90a Divisão Panzer Grenadier, veterana do Afrika Korps, e da Divisão Bersaglieri Italia, com a captura (29 e 30 de abril) de mais de 19.000 homens e farto equipamento, sendo a única divisão aliada que obteve tal êxito. No dia 2 de maio se encerrava a guerra na Itália, com a capitulação de todas as forças alemãs naquele teatro de operações.

O Brasil também enviou ao teatro de operações da Itália, o 1o  Grupo de Aviação de Caça, equipado com aviões P-47 Thunderbolt. Na ofensiva aérea aliada desencadeada entre 6 e 29 de abril de 1945 na Itália, os caças brasileiros voaram 5% das missões do XXII Comando Aero-tático norte-americano, sendo-lhes creditados , no entanto, “15% dos veículos inimigos, 85% de depósitos de munição danificados, 36% dos depósitos de combustíveis e 28% das pontes atingidas” (FILHO, 2012, p. 18). A atuação do 1o Grupo de Aviação de Caça nessa jornada lhe valeu a indicação para a Presidential Unit Citation, condecoração finalmente concedida pelo Presidente Ronald Reagan em 1986, “sendo o nosso grupo de caça a terceira unidade, não pertencente às Forças Armadas Americanas, a receber essa comenda.” (Ibid.).

4. O SIGNIFICADO DA PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA 2° GUERRA MUNDIAL

É ponto pacífico que a participação do Brasil na 2a Guerra Mundial foi de grande importância, considerados a quantidade e a extensão dos acontecimentos que ela provocou no País; políticos, econômicos, militares e psicossociais. Como resultado da guerra, o Brasil assumiu uma feição democrática com a Constituinte de 1946, deu início ao seu desenvolvimento e experimentou uma modernização em vários aspectos de sua vida social, perceptíveis na educação, nos transportes,  no consumo de bens e serviços e nos hábitos da população, inclusive no seu crescimento e mobilidade. Seria um exagero afirmar que as mudanças profundas observadas nessas grandes categorizações colocam a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial num patamar de importância histórica equivalente ao da vinda da Família Real em 1808? Se for uma provocação, que ela suscite reflexão.

As mudanças referidas decorreram de um sucesso, não apenas por estar o Brasil do lado vencedor, mas principalmente pela forma como o País atuou desde antes do início do conflito. Da gravidade dos acontecimentos que, paulatinamente, envolveram o país infere-se, sem grandes dificuldades, que uma atitude passiva do Brasil durante a guerra poderia ter levado à perda de soberania e de território. Arroubos e decisões intempestivas, por outro lado, poderiam ter provocado consideráveis prejuízos e sacrifícios ao País, que sairia do conflito em condições não tão favoráveis como as que se deram de fato. 

O Brasil, como se viu, quando já ia acesa a guerra com a perspectiva de uma vitória do nazismo, posicionou-se ao lado das democracias para tomar parte efetiva do conflito contra um inimigo vitorioso, lidando ao mesmo tempo com um aliado poderoso e com um vizinho problemático. Graças a essa atuação, que combinou prudência e ousadia, o Brasil emergiu da Segunda Guerra Mundial com maior prestígio, poder e controle de seu destino.

Mas, passados setenta anos do encerramento do conflito, esquecidos ou desconhecidos esses acontecimentos pela sociedade brasileira, quais seriam as correlações das mudanças experimentadas no imediato pós-guerra com a nossa atualidade? Em outras palavras, como se define, nos dias de hoje, a importância da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial? A resposta é simples: pela memória.

Sem a lembrança do que foi realizado diante de grandes limitações e riscos, sem a recordação do sacrifício cometido pelos que serviram nas frentes de guerra e sem o reconhecimento dos êxitos alcançados, o Brasil hoje corre o risco de não ter consciência do que é, e, principalmente, do que pode ser. Esse é o significado da participação do Brasil num dos acontecimentos mais importantes da História  que foi esquecida pela sua sociedade: o papel da memória.   

REFERÊNCIAS

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ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO. Relatório do Ministro da Guerra, 1939.

_______ . Relatório do Ministro da Guerra, 1940.

_______ . Relatório do Ministro da Guerra, 1941.

_______ . Arquivo Góes Monteiro: “El enemigo en accion G.O.U., Coordinador I-I4”, Ambassade du Brésil, Attaché Militaire, cópia- reservado,  3 de setembro de 1943.

_______ . Arquivo Góes Monteiro: Carta do General Góes Monteiro ao General Dutra, 4 de maio de 1944.

_______ . Arquivo Góes Monteiro: Carta do Delegado brasileiro no Comitê Consultivo de Emergência, Montevideo ao General Góis Monteiro, 6 de novembro de 1944.

_______ . Relatório do Ministro da Guerra, 1944.

ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY. Correspondência com a Embaixada na Bolívia. Relatório de janeiro de 1994, Confidencial.

_______ . Correspondência com a Embaixada na Bolívia.  Visita à Bolívia do Ministro da Aeronáutica do Brasil,Ofício No 142, de 5 de julho de 1944.

BRASIL. Biblioteca da Presidência. O Chefe Estado da Bolívia no Brasil. Improviso respondendo a saudação do presidente Enrique Penãranda por ocasião do banquete oferecido na Embaixada da Bolívia, em 27 de junho de 1943. Disponível em <     http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/getulio-vargas/discursos-1/1943/09.pdf > Acesso em: 11/05/2015.

CARVALHO, L.P.M. (Org.).  O Exército na História do Brasil: República. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército; Salvador, BA: Odebrecht, 1998.

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DUARTE, Paulo de Queiroz. O Nordeste da Segunda Guerra Mundial: antecedentes e ocupação. Rio de Janeiro: Editora Record, 1971.

GAMA, Arthur Oscar Saldanha da; MARTINS, Hélio Leôncio. A Marinha na Segunda Guerra Mundial. In: Serviço de Documentação Geral da Marinha. História Naval Brasileira, v. 5, tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1985. p. 257-434.

GARCIA, Eugênio Vargas. O sexto membro permanente: o Brasil e a criação da ONU. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.

FILHO, Hermelindo Lopes. Nas Asas da História da Força Aérea Brasileira.  São Paulo: FAAP, 2012. Disponível em < http://faap.br/hotsites/asas-da-historia/livreto%20Nas%20Asas%20da%20História%20Da%20Força%20Aérea%20Brasileira.pdf  > acesso em:  11/05/2015.

MORAES, J. B. Mascarenhas de. Memórias.v.1. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército; Livraria José Olympio Editora, 1969.

_______ .  A FEB pelo seu comandante. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2005.

SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à guerra: o processo do envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial. 3 ed. Barueri, SP: Editora Manole Ltda., 2003.


[1] “Mesmo ausente em Dumbarton Oaks, o Brasil foi o único país a ser cogitado naquela Conferência como possível detentor de uma sexta cadeira permanente.” (GARCIA, 2012, p. 20).

[2] Para uma apreciação da questão da eventual participação do Brasil no Conselho de Segurança, é importante lembrar que entre a carta do Embaixador Pedro Leão Velloso, datada de 14 de maio de 1945, na qual reivindicava para o Brasil um lugar permanente do conselho, e a resposta do Secretário de Estado norte-americano E. R. Stettinius Jr., de 13 de junho, em que limitava a participação brasileira a um lugar não permanente, o governo brasileiro negou a participação da FEB na ocupação da Europa, dando início ao repatriamento da força no dia 3 de junho. 

[3] A mobilização militar para guarnecer o Norte e o Nordeste se fez principalmente com a criação de novas unidades do Exército organizadas no Rio de Janeiro e com outras já existentes que foram transferidas para aquelas regiões. As unidades do Sul permaneceram em suas guarnições.

[4] Movimento Nacionalista Revolucionário.

[5] É digno de nota o discurso de improviso com o qual o Presidente Vargas respondeu à saudação do General Penãranda no banquete oferecido pela Embaixada da Bolívia em 27 de junho de 1943: “Os países exacerbados por nacionalismo exaltados e imperialistas fecharam-se em autarquias de toda natureza, vedando qualquer colaboração, intercâmbio ou aproximação de boa fé” (BRASIL, 1943).

[6] Em 27 de maio de 1942, três meses antes da entrada do Brasil na Guerra, foi firmado pelo Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha e o Embaixador Jefferson Caffery o Convênio Político-Militar entre os Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da América, pelo qual os dois países combinavam medidas para a defesa comum do continente americano. Dentre as medidas acertadas, previa o acordo a organização de duas comissões técnico-militares mistas brasileiro-americanas, uma no Brasil e outras nos Estados Unidos (art. I); o emprego das forças brasileiras dentro de seu território, e só excepcionalmente, em outros pontos do continente; a organização de bases aéreas e navais que podiam ser ocupadas por forças norte-americanas; e a assistência americana ao Brasil no caso dele ser agredido por outra República americana considerada pelos Estados Unidos como simpática às potências do Eixo ou por elas instigada. (MACEDO, 1998, p.164).

[7] Anteriormente, em 31 de dezembro de 1942, “por ocasião de almoço de confraternização das classes armadas, o Presidente Vargas assim se manifestou, em discurso, a respeito de nossa intervenção militar fora do continente: … não devemos cingir-nos à simples expedição de contingentes simbólicos. Queremos  ser eficientes e, para isso, precisamos dispor de forças completamente treinadas e aparelhadas…” (MORAES, 1969, p. 115).

[8] No Oeste europeu, a média por divisão [americana] foi de 1.871 mortos, 5.954 feridos e 1.232 prisioneiros. No Pacífico, a média por divisão foi de 736 mortos, 1.705 feridos e 552 prisioneiros. Na Itália, a média por divisão foi de 5.543 mortos, 15.276 feridos e 2.854 prisioneiros.  (MORAES, 2005, p. 337).

Artigo original publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), edição Jul/Set 2016.