O Brasil no 11 de Setembro

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A manhã de 11 de setembro de 2001 foi marcada pelo choque e perplexidade em todo o mundo, não sendo diferente em Washington, DC. As primeiras notícias eram contraditórias na capital. Enquanto caças F-16 começavam a sobrevoar a cidade, circulavam notícias da explosão de um caminhão-bomba e da queda de um “pequeno avião” no Pentágono. Não se tinha ideia do que estava acontecendo. Em pouco tempo, veio a ordem de evacuação dos prédios públicos e da própria cidade, executada com impressionante calma e ordem.

A embaixada brasileira procurava localizar os brasileiros que estavam a serviço na capital, instando-os a permanecer em contato para receber instruções. Aventava-se a possibilidade de uma ordem de evacuação geral. No início da tarde, um pequeno artefato explosivo foi destruído por um esquadrão antibombas nas imediações do Pentágono.  De alguma forma, temia-se que o que acontecera era apenas o começo de um ataque em ampla escala.

No dia seguinte, o centro de Washington amanheceu ocupado por tropas do Exército norte-americano, principalmente por elementos da sua Polícia do Exército (Military Police). Aos poucos, a população voltou às ruas para as atividades essenciais e a rotina foi sendo retomada dentro das possibilidades. Num gesto espontâneo, simples, mas de grande significado para a população norte-americana traumatizada, os militares das nações amigas que trabalhavam em Washington, franceses e brasileiros com maior visibilidade, passaram a circular fardados, nas ruas, no metrô, nos aeroportos, em seu trânsito e afazeres diários. A mensagem era clara: continuamos aqui com vocês!

Na Junta Interamericana de Defesa (JID), a primeira organização de defesa coletiva do mundo, criada sob a égide de Estados Unidos e Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, o Chefe da Delegação do Brasil, Almirante Carlos Eduardo de Araújo Mota, leu a carta do Chefe da Delegação dos Estados Unidos escrita em 1942, lamentando as mortes dos brasileiros acontecidas pelo ataque alemão na costa da Bahia e Sergipe. Foi dessa memória rediviva que o Brasil pôde emprestar sua total solidariedade aos Estados Unidos. Mas não pararia aí essa lembrança da aliança das horas difíceis.

Vivia-se na OEA um clima de certa apreensão diante de pressões por mudanças na JID que pareciam não levar na devida conta o papel do Brasil na fundação do organismo e a sua importância no Hemisfério. Preocupados com o aumento da produção de drogas na América Latina que alimentava seu crescente consumo interno, os EUA priorizavam o combate ao tráfico de drogas na região, insistindo no envolvimento dos militares os países-membros da JID em operações policiais, com o que o Brasil não concordava, causando algum esfriamento nas relações militares entre os dois países.

Alguns dias depois, na Conferência de Lima, reuniram-se os países-membro da OEA para deliberar sobre as medidas a adotar diante dos atentados de 11 de setembro. Foi nesse momento que a diplomacia brasileira, pela voz do chefe de sua representação, Embaixador Valter Pecly Moreira, propôs uma das medidas mais decisivas no âmbito do organismo desde a crise dos mísseis de Cuba em 1962. O Brasil invocou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca 2 (TIAR), pelo qual, um ataque a um dos países signatários seria um ataque a todos eles. Implicava esse ato também que, diante da nova forma de guerra, o terrorismo, todos os países livres do Hemisfério se comprometiam a não permitir que seus territórios fossem usados para atacar o Estados Unidos.

No 11 de Setembro, o Brasil não mostrou apenas que estava no Hemisfério Ocidental. Na verdade, mostrou de que lado no mundo ele estava.


1. À época, o autor era Chefe da Seção de Desminagem Humanitária do Estado-Maior Internacional da JID e, posteriormente, Delegado do Exército Brasileiro na Junta Americana de Defesa, em Washington, DC.

2. Também conhecido por Tratado do Rio de Janeiro, assinado em 1947, que entrou em vigor em 3 de dezembro de 1948.