A FEB e a conquista de Montese

Foto de uma patrulha brasileira durante o ataque a Montese, em 14 de abril de 1945, a mais dura batalha da FEB na Itália. Imagem: “O Exército na História do Brasil”, BIBLIEX, Rio de Janeiro, 1998, v.3, p. 157

Não existe atividade humana mais perigosa e dramática do que a guerra. Sabe-se como começa, mas ninguém sabe como ela acaba.

O Brasil declarara guerra à Alemanha em 1942 e no ano seguinte já planejava o emprego de tropas em território estrangeiro, período em que o III Reich controlava grande parte da Europa. Relevante ressaltar que alguns países só viriam a se posicionar no conflito mundial ao final de 1944 e em 1945.

Não havia nenhum roteiro para 2ª Guerra Mundial terminar na Europa em 1945, basta-se lembrar da ofensiva alemã nas Ardenas, iniciada em dezembro de 1944 e que se prolongou até o final de janeiro de 1945, resultando em dezenas de milhares de baixas aliadas.  

Na Itália, algo dessa natureza foi feito em menor escala. Na noite de 25 para 26 de dezembro, num lance de audácia, forças da 148ª Divisão de Infantaria alemã (148ª  DI) e italianas atacaram o flanco esquerdo do V Exército, derrotando a 92ª Divisão norte-americana.

A invasão aliada da Europa começara pela Itália, em julho de 1943 na Sicília e em setembro na península. Essa foi a frente destinada à FEB e, de todas da guerra, foi a mais mortífera para as divisões norte-americanas, onde o inimigo tinha a vantagem do terreno e dispunha de paraquedistas, blindados e remanescentes do Afrika Korps.

Depois de junho de 1944, com a queda de Roma, o desembarque na Normandia e a retirada de seis divisões aliadas da frente italiana para o desembarque no Sul da França, o Teatro de Operações da Itália não se tornou secundário.

Transformou-se numa frente de sacrifício, na qual as divisões alemãs em número equivalente ao das aliadas tinham que continuar a ser aferradas por uma ofensiva a todo custo, como confessaria o próprio comandante do V Exército dos EUA, General Mark Clark, sob pena de os efetivos inimigos se transferirem para outras frentes.

Foi a essa altura da guerra na Itália que chegou a FEB, ou melhor, começou a chegar, por escalões, com parte da sua força de combate, da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), para receber equipamento e completar o seu adestramento, não numa frente onde lutavam sessenta divisões norte-americanas, como na França, mas naquela em que só restavam sete.

Em setembro de 1944, o Destacamento FEB, constituído à base do 6º Regimento de Infantaria (6º RI), de São Paulo, que viera do Brasil no 1º escalão, era a única reserva do V Exército.

No dia 15 desse mês, os brasileiros entravam em ação num setor onde os alemães recuavam para as suas novas posições na Linha Gótica, encaminhando-se as operações para o Vale do Sercchio, onde seriam alcançados os primeiros êxitos do Destacamento FEB, em Massarossa, Camaiore e Monte Prano, e experimentado o primeiro revés, por excesso de confiança, em Castelnuovo di Garfagnana, que traria lições valiosas.

O juízo sobre a atuação da FEB na Itália prescinde de patriotadas e chauvinismos, bastando fatos, números, cronologia e algum espírito crítico para obtê-lo.

Em novembro de 1944, a 1ª DIE, com seus outros dois regimentos, o 1º RI, do Rio de Janeiro, e o 11º RI, de Minas Gerais, recém-chegados à Itália, foi toda à frente de combate, assumindo um setor de 15 Km de extensão, no qual deveria realizar operações ofensivas e defensivas.

A essa altura, a FEB era a combinação de um regimento exausto e de dois inexperientes, prestes a enfrentar não Osttruppen, tropas de voluntários russos e bielo-russos usados pelos alemães em outras frentes, mas sim o verdadeiro Exército alemão, como as experimentadas 232ª e 334ª divisões.

Toda linha de contato com o inimigo era dominada pelo grande maciço montanhoso que ia de Monte Belvedere a Castelnuovo, encimado pelo Monte Castelo, que seria atacado quatro vezes pelos brasileiros, a 25 e 26 de novembro, integrando a Task Force 45 norte-americana, e a 29 de novembro e 12 de dezembro, sob a responsabilidade do comando da FEB. 

Neste último ataque, sob névoa e num terreno enlameado, os brasileiros chegaram a alcançar o topo de Monte Castelo, mas foram expulsos pelos contra-ataques alemães, ficando lá em cima, como testemunhas do sacrifício, os corpos dos nossos soldados que só seriam resgatados quando foi conquistada a posição em fevereiro do ano seguinte. 

A FEB entrara em combate e não mais sairia da linha de frente até o final da guerra. Era a única divisão brasileira na guerra: se ela saísse, o Brasil deixava a luta.

Suspensas as operações ofensivas em dezembro de 1944, devido ao fracasso dos ataques contra as fortes posições alemãs, não só dos brasileiros em Monte Castelo, mas de todos os aliados, do V Exército dos EUA e do VIII britânico, da costa do Mar Tirreno à do Mar Adriático, a FEB iria viver a estabilização das operações nas alturas dos Apeninos, durante um dos mais rigorosos invernos da região.

Foi quando, entre patrulhas, golpes de mão e incursões de parte a parte, tropa e comando da FEB amadureceram para o que estava por vir.

Era a estrada 64, varrida pelas lentes e tiros alemães, que tinha que ser aberta para que os aliados conquistassem Bolonha.

O IV Corpo de Exército dos EUA (IV CEx), ao qual estava subordinado a 1ª DIE, planejou para fevereiro de 1945 uma ofensiva preliminar à da primavera, na qual a divisão brasileira e a 10ª Divisão de Montanha do Exército dos EUA (10ª Div Mth) seriam empregadas juntas para expulsar os alemães do maciço que dominava a estrada 64.

No dia 21 de fevereiro, depois de substituir os americanos da 10ª Div Mth que haviam conquistado Mazzancana, a 1ª DIE, com o 1º RI, o Regimento Sampaio, no ataque principal, atacou e conquistou Monte Castelo.

Nos dias seguintes, brasileiros e norte-americanos iriam apoiar-se mutuamente até limparem de alemães as alturas que dominavam a 64.

A FEB já era outra, culminando esta fase com a elegante manobra sobre Castelnuovo, que levou à conquista, pela retaguarda, do famigerado monte Soprassasso, que se debruçava sobre a estrada 64.

Na segunda reunião preliminar realizada no quartel-general do IV CEx , antes da grande ofensiva da primavera, em abril,  o comandante da FEB, o General Mascarenhas de Moraes, ao propor que a divisão brasileira protegesse o flanco esquerdo da 10ª Divisão de Montanha, atacando Montese, respondeu em tom jovial à pergunta do comandante da divisão norte-americana sobre a capacidade da 1ª DIE conquistar a cidade, perguntando ao seu colega se ele tinha certeza de que aproveitaria o êxito do sucesso brasileiro.

 Ao tomar conhecimento da conquista de Montese no primeiro dia da ofensiva aliada, 14 de abril, pela tropa do 11º RI, o Regimento Tiradentes, o General Crittenberger, comandante do IV CEx, disse ao seu estado-maior: “na jornada de ontem, só os brasileiros mereceram as minhas irrestritas congratulações; com o brilho do seu feito e seu espírito ofensivo, a Divisão brasileira está em condições de ensinar às outras divisões como se conquista uma cidade”.

A cidade de Monteses caiu no dia 14, sendo feitos 107 prisioneiros nesse jornada, prosseguindo no dia seguinte as operações de limpeza. Mas as ações de 15 e 16 de abril foram desencadeadas para conquistar o maciço de Montese, o triângulo formado por Cota 927, Montelo e Cota 888.

A 15 foram conquistados Cota 888 e Montelo. O ataque sobre 927, marcado para 16, foi transferido para 17 de abril.

Representação dos maciços e das zonas de ação dos Regimentos de Inafantaria da 1ª DIE, no ataque a Montese. Imagem: MORAES, Marechal J. B. Mascarenhas. Memórias, v. 1. Biblioteca do Exército, Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1969.

Nessa jornada o Cmt IV CEx suspendeu o ataque, uma vez que os êxitos brasileiros na jornadas de 14 e 15 e a pressão exercida ao longo de todo dia 16 haviam permitido à 10ª  Div Mth romper a frente alemã.

As operações da 1ª DIE no Maciço de Montese, de 14 a 17 de abril, conformam a batalha de Montese, a mais difícil travada pela FEB durante a campanha na Itália.

Com o êxito da ofensiva aliada, os alemães perderam a Linha Gengis Khan, última posição defensiva ao sul do Rio Pó, e suas divisões se precipitaram em fuga para o norte, buscando transpor o grande rio e adentrar à Áustria pelos Alpes.

A divisão brasileira, que não era motorizada, improvisou e, embarcando sua infantaria nas viaturas da artilharia, saiu em perseguição ao inimigo.

No dia 27 de abril, a vanguarda brasileira destruiu em Collechio a vanguarda de uma força alemã bem maior que se viu impedida de prosseguir sua marcha para o norte e foi cercada pela 1ª DIE.

Não aceitando a rendição incondicional, a força alemã foi atacada pelo 6o RI, o Regimento Ipiranga, e enviou parlamentares solicitando a cessação dos combates.

Era a 148ª Divisão alemã, a mesma que realizara a audaciosa ação no Natal contra os norte-americanos, e os remanescentes da Divisão Itália e da famosa  90ª Panzergrenadier. veterana da África do Norte, num total de quase 15.000 homens, que se rendiam à 1ª DIE, a única divisão aliada na Itália que logrou tal feito.

Nas palavras do General Mark Clark, “foi o magnífico final de uma atuação magnífica”.

No dia 2 de maio os alemães se rendiam na Itália, a primeira frente de guerra na Europa onde se encerraram as hostilidades.

O Brasil foi à guerra e saiu dela muito diferente, caminhando para a democratização, a industrialização e o desenvolvimento, no que pode ter sido a maior mudança de sua história de nação independente. 

Embora a FEB seja o capítulo mais lembrado da participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, para se compreender a importância dessa participação é fundamental conhecer também o esforço militar brasileiro na defesa de sua soberania no Nordeste e no Sul do País, saber da Batalha do Atlântico Sul da qual participamos, entender o papel geopolítico deste país continente e destrinchar as manobras diplomáticas que evitaram a extensão do conflito à América do Sul.  

Este artigo é um extrato de uma publicação do autor, no jornal Diário do Comércio, em 28 de maio de 2015. Leia aqui.