Patriotismo sim, nacionalismo não

*Artigo original publicado pelo autor no jornal Diário do Comércio, em 15 Nov 2018 (Patriotismo sim, nacionalismo não)

A confusão entre esses dois termos causou não poucos problemas ao longo da História.

Embora possam ser tomados como atitudes, cívica e política respectivamente, patriotismo e nacionalismo diferem drasticamente quanto às suas origens, práticas e propósitos. E se não bastasse isso, diferem muito quanto aos resultados.

O patriotismo é um pertencimento, o nacionalismo uma frustração. Ser patriota é sentir-se vinculado à comunidade cultural, linguística, histórica e territorial identificada como Pátria. Já o nacionalista se entende como portador de um destino não realizado, seja ele qual for, independência, desenvolvimento, poder ou autonomia.   

O patriotismo é aberto e inclusivo. O nacionalismo se fixa em conceitos e exclui tudo o que neles não se enquadre, desde pessoas até ideias. O patriotismo de um grande país é um imã de vontades, talentos e disposições, enquanto o nacionalismo, por vezes,  dispersa o que de melhor existe em uma nação.

O patriotismo é espontâneo, inspirando medidas e decisões em prol do bem comum. O nacionalismo, supostamente aplicado em prol da nação, termina sempre beneficiando uns em detrimento de outros.

O patriotismo é uma continuidade, o nacionalismo uma reação, com todos os riscos de exagero e desequilíbrio que esse impulso traz consigo.

O nacionalismo é, por vários motivos e motivações, a gênese dos grandes desastres mundiais ao longo dos dois últimos séculos.

Que o diga a Alemanha, que viu nascer de sua frustração política a reação  intelectual que inspirou o pior do século XX: comunismo, socialismo e nazismo. Que o digam os povos da antiga Iugoslávia, sujeitos à barbárie das guerras desencadeadas pela ideologia substituta do nacionalismo sérvio no final do século.

Tudo isso sem qualquer garantia de não se repetir.

Por sua vez, o nacionalismo brasileiro começa sua história no ápice do nacionalismo europeu, no limiar da Primeira Guerra Mundial.

Em 1914, Alberto Torres, pensador, político e jurista de renome, inconformado com a impraticabilidade da primeira Constituição da República e próximo de personalidades sensíveis à problemática nacional, como Joaquim Nabuco, Silvio Romero e Euclides da Cunha, concentrou suas reflexões em duas obras – A Organização Nacional e O Problema Nacional Brasileiro – que abordaram com propriedade alguns aspectos fundamentais da situação do País.

As obras tinham seu mérito, mas, devido às limitações da formação bacharelesca do autor, faltaram-lhes largueza de perspectiva e profundidade de análise para a compreensão da sociedade a reformar.

Embora fizesse colocações avançadas para época, condenando o racismo, a degradação ambiental e o descaso com a defesa nacional, Alberto Torres defendia em sua tese sociopolítica um governo forte, capaz de “apoiar e desenvolver o indivíduo e de coordenar a sociedade”; criticava o liberalismo por ter reduzido o campo de ação dos governos; e repudiava a participação do capital estrangeiro na economia do País.

Conquanto sua proposta de revisão ou de reconstrução constitucional acabasse ignorada, a ideia de criação do Instituto de Estudo dos Problemas Nacionais ficou, de alguma forma, no limbo do pensamento brasileiro.

Ela tomou forma em 1955, quando foi criado o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), de triste memória, pelo ativismo ideológico que tragou até fundadores seus, como Hélio Jaguaribe que cometeu os pecados mortais de distinguir um nacionalismo de fins de um nacionalismo de meios e de admitir o papel do capital estrangeiro no desenvolvimento do País.

Extinto no dia 13/04/1964, pelo presidente do Congresso, a sua corrente de pensamento continuou ativíssima no debate político, opondo sistemática resistência ao soerguimento da economia do País pela via liberal.

Ao discursar pela última vez na Escola Superior de Guerra, em 13/03/1967, dois dias antes de passar o governo, Castello Branco foi contundente ao criticar a “manipulação por grupos que procuram evitar a concorrência, levantar barreiras à importação de tecnologia externa e manter os recursos minerais aprisionados no solo”.

A Guerra Fria agravou o nacionalismo brasileiro, na medida em que os soviéticos exploraram ao máximo a tese de espoliação da América Latina, e do Brasil em particular, pelas empresas multinacionais.

Com o crescimento da economia nacional nos anos 70, adviria uma nova etapa do nacionalismo tupiniquim: as empresas estatais. A partir daí, da cultura à indústria, seja  de direita ou de esquerda, bem ou mal intencionado, honesto ou não, o estatismo extrapolado começou a causar seguidos revezes ao País.

A EMBRAFILME deu início à prática dos calotes de cineastas que levou à mediocridade da atual produção artística chapa branca, a qual, nem de longe, pode ser comparada àquela que o País teve nos anos 50.

A política nacional de informática colocou o Brasil à margem da corrida tecnológica iniciada nos anos 80. Outro caso foi o da exploração mineral, que regrediu a estágio anterior ao da Constituição de 1967.

Em suma, além de não avançarmos, perdendo várias janelas de oportunidade na ciência, indústria e comércio, regredimos até nas áreas onde desfrutávamos de alguma vantagem.

O que de bom se fez, a partir da ação inicial do Estado, foi, como não podia deixar de ser, potencializado pela iniciativa privada e transformado nos casos de sucesso nacional: a EMBRAPA, a massa crítica de pesquisa e tecnologia que catapultou  o agronegócio, e a EMBRAER, que conquistou importantes espaços no mercado de aviação mundial.

Comparado ao nacionalismo de outros países, o brasileiro tem pelo menos uma vantagem. Causou prejuízos a nós próprios, não mortes e destruição a outros povos.