A Igreja Católica na Formação do Brasil
A história da Igreja Católica no Brasil deve ter em conta as peculiaridades do processo de formação do País e da sociedade que aqui se constituiu. Nos três primeiros séculos da História do Brasil, no imenso espaço em que se articulou o território, por caminhos precários, povoações, fortes, rios e portos, surgiu um mundo próprio, em que os elementos humanos nativos e adventícios se mesclaram de diversas formas sob a influência das instituições trazidas pelo português para formar a sociedade brasileira.
O resultado, uma sociedade mestiça, tolerante sincrética, de um dos maiores países do mundo só poderia se consumar por meio de assimilações e sínteses, tornadas possíveis pela presença e ação da Igreja que mediou os contrastes, adaptou-se às realidades locais e, pela fé difundida na catequese, nas capelas dos caminhos, nos oratórios das casas-grandes, nas igrejas das ordens religiosas e terceiras e na pregação dos púlpitos, moldou o povo brasileiro.
A presença da Igreja Católica no Brasil deve ser conhecida e compreendida à luz da história, não sendo, absolutamente, motivo de revisão da evangelização ou de perdão. A Igreja Católica chegou ao Brasil no processo de fusão do mundo ocorrido no século XV com as Grandes Navegações, que descobriram novas terras a oeste da Europa, as Américas, e abriram caminho ao Oceano Índico e Extremo-Oriente.
A Igreja Católica veio ao Brasil integrada ao processo de conquista de novas terras por Portugal, mas comprometida com a conversão de almas, no seguimento de sua missão evangelizadora, desenvolvida desde os seus primeiros passos no âmbito do Império Romano até conversão das tribos bretãs e germânicas na Alta Idade Média, independentemente, e por vezes, à revelia do poder político.
Os portugueses foram seguidos, pouco tempo depois de sua chegada ao Brasil, pelos franceses que lhes contestaram a posse da terra, em mais de um século de luta, de São Paulo ao Maranhão, e da qual tomaram parte os indígenas de um ou outro lado, na atividade intrínseca à sua vida: a guerra. A Igreja Católica participou desse processo de duas formas. A primeira, catequizando os índios nos aldeamentos, protegendo-os da escravidão, levando-os à escola e criando uma gramática tupi-guarani que, de certa forma, tornou sua língua unificada, a língua geral. A segunda, pela Ordem Jesuíta, fundada em 1534 por Inácio de Loyola, na luta contra os franceses, àquela altura divididos religiosamente, muitos dos quais professos do calvinismo, como no caso da França Antártica no Rio de Janeiro. A bula papal de 1537, proibindo a escravidão e expropriação dos indígenas, reforçou essa atuação dos jesuítas no sentido de proteger os nativos em seus direitos naturais.
Os contingentes formadores, indígena, adventício português e africano, mesclaram-se de diversas formas: pela miscigenação, pela catequese, pela guerra e pela fronteira. Dessas, a mais conhecida e comum foi a miscigenação, para o que concorreu a miscibilidade nata do português. Com a vinda de muitos homens de Portugal sem família, em pouco tempo, surgiu no Brasil um contingente de mestiços, a princípio fruto das relações livres entre portuguesas e mulheres indígenas, e depois entre portuguesas e africanas, como resultado das relações patriarcais em torno da casa grande, a sede de poder no Brasil seiscentista. Caboclos e mulatos povoaram a nova terra como novos tipos humanos, não apenas étnicos, porém ainda mais adaptados e flexíveis e, principalmente, reivindicativos de papéis próprios na sociedade.
A catequese, a conversão dos indígenas ao catolicismo, aconteceu pela difusão da liturgia entre eles, com adaptações de músicas e danças; pelo aldeamento das populações nativas em reduções ou missões; e pelo ensino das escolas jesuíticas frequentadas por “índios e filhos de portugueses, europeus e mestiços, caboclos arrancados às tabas e meninos órfãos vindos de Lisboa” (FREYRE, 2003, p. 223). Mas a religião católica influiu de outras maneiras na formação da população. Além da catequese, os jesuítas se notabilizaram pelo combate à escravidão indígena. Quanto à população africana, a mimetização da liturgia católica nas senzalas, por um lado, fez surgir ritos que tomaram forma, mais tarde, no século XX, na umbanda. Por outro, atraiu os escravos ao catolicismo, que criaram ordens religiosas e construíram igrejas que pudessem frequentar, particularmente em Minas Gerais.
Complexo, diverso e grande, o Brasil tem no catolicismo a melhor explicação para sua unidade: os fundamentos culturais de uma Nação em Jesus Cristo, como afirmou o Papa Francisco em sua homilia na missa de canonização de José de Anchieta, designado por João Paulo II Apóstolo do Brasil.
Porventura, o Brasil, como nação cristã pertencente à civilização que parece estar esquecendo o que é, por ser o que é, tenha o que dizer ao mundo.
FREYRE, Gilberto. Grande e Senzala: formação da família brasileira sob regime da economia patriarcal, 47ª ed. revista. São Paulo: Global Editora, 2003.