A expedição de Martim Afonso de Sousa
As expedições marítimas portuguesas ao Brasil no início do século XVI podem ser classificadas como exploradoras, guarda-costas e colonizadoras, muito embora elas tenham desempenhado, além de sua missão precípua, todas essas funções.
A exploração de Gonçalo Coelho (1503-1504) deixou feitorias e casas-fortes. Cristóvão Jacques comandou uma expedição exploradora (1516) que, provavelmente, criou a feitoria de Itamaracá, em Pernambuco, voltando ao Brasil em 1526 à frente da primeira esquadra guarda-costas, quando fundou uma segunda casa forte no continente, em Igarassú.
Dos conhecimentos obtidos dessas expedições, dando conta da enormidade da terra descoberta que cabia a Portugal a leste do Meridiano de Tordesilhas, e das notícias da presença nelas de navios franceses, D. João III decidiu enviar a primeira expedição notadamente colonizadora ao Brasil.
O escolhido para comandá-la foi Martim Afonso de Sousa, homem da corte, com trinta anos de idade, dotado de notável cultura humanista, histórica, naútica e cosmográfica, que foi munido de excepcionais poderes para tomar posse, lavrar autos, distribuir justiça, conceder sesmarias e colocar marcos em terra, com ordens de explorar a costa e combater as naus francesas que encontrasse.
A esquadra de Martim Afonso partiu no dia 3 de dezembro de 1530, composta por cinco navios: a capitânia, na qual viajavam Martim e seu irmão Pero Lopes; os galeões São Miguel (capitão Heitor de Souza) e São Vicente (capitão Pero Lobo Pinheiro); e as caravelas Princesa (capitão Baltasar Gonçalves) e Rosa (capitão Diogo Leite, que fora comandante de um dos navios da expedição de Cristóvão Jacques).
No dia 31 de janeiro de 1531, a esquadra avistou o cabo de Santo Agostinho e a duas naus francesas que foram perseguidas e capturadas, fugindo para terra a tripulação de uma delas. Em 2 de fevereiro, uma terceira nau francesa, perseguida pelas duas caravelas da esquadra, sob o comando de Pero Lopes de Sousa, foi tomada após duro combate que durou toda a jornada.
Na breve estadia em Pernambuco, Martim Afonso reorganizou sua esquadra. Expediu as duas caravelas para, sob o comando de Diogo Leite, explorarem a costa L-O, queimou um dos navios franceses; incorporou outro à expedição, batizado de Nossa Senhora das Candeias, sob comando de Pero Lopes; e despachou o terceiro, comandado por João de Sousa, levando setenta toneladas de pau-brasil e mais de trinta prisioneiros franceses, para Portugal, onde chegou em final de julho.
De Pernambuco, Martim Afonso de Sousa seguiu para o sul, agora com quatro navios, entrando, em meados de março, na Baía de Todos os Santos, onde foi recebido por Diogo Álvares, o Caramurú, náufrago de 1509, que ali vivia prestigiado entre os tupinambás e unido à índia Paraguassú, depois batizada Catarina.
Após quatro dias de descanso e confraternização com os indígenas, a esquadra retomou a navegação para o sul, sendo, no entanto, obrigada por ventos contrários a retornar à Baía de Todos os Santos, em 26 de março.
Ali encontrou uma caravela que demandava a feitoria de Sofala, em Moçambique, e na qual encontrou Diogo Dias, feitor da casa-forte de Pernambuco, destruída por um galeão francês pouco mais de um mês antes. Martim Afonso decidiu incorporar a caravela à sua esquadra e partiu no dia seguinte.
Em 30 de abril, a expedição adentrou à Baía de Guanabara, onde desembarcou pessoal e material para construir uma casa-forte com cerca, reparar os navios, construir dois bergantins, lançar exploração de dois meses ao interior e acumular provisões suficientes para os 400 membros da expedição por um ano, permanecendo no Rio de Janeiro por aproximadamente três meses. Ai também o contato com os indígenas foi amigável, tendo eles cooperado na construção da cerca, cujo modelo os portugueses depois adotariam.
Deixando o Rio de Janeiro, a esquadra navegou por doze dias até Cananeia, onde fundeou e despachou um bergantim sob o comando do piloto Pedro Anes para explorar a costa local. Depois de 5 dias, Pedro Anes retornou trazendo um degredado, Francisco das Chaves, o Bacharel, que ali se encontrava há trinta anos, e alguns espanhóis.
Dele, Martim Afonso de Sousa ouviu narrativas fantásticas de riquezas no interior do continente, o que o levou a destacar uma força de 80 homens, metade armada com arcabuzes, metade com bestas, guiada pelo Bacharel que prometia estar de volta em menos de um ano carregado de prata e ouro.
A esquadra permaneceu em Cananeia por quarenta e quatro dias, sob mau tempo, deixando três marcos de mármore para assinalar a posse portuguesa. Da expedição de 80 homens nunca mais se soube.
Seguindo para o sul, a esquadra de Martim Afonso foi atingida, em 26 de setembro, na altura do Chuí, por uma tempestade que causou o afundamento da capitânia e de um bergantim, custando a vida de sete homens.
Decidiu-se então enviar o outro bergantim com trinta homens, sob o comando de Pero Lopes de Sousa, coadjuvado por Pero de Góis, explorar o Rio da Prata, o que demorou um mês.
Enquanto Pero Lopes explorava o Prata e os rios Paraná e Uruguai, os pilotos da esquadra fundeada nas proximidades do Chuí fizeram medições astronômicas que podem ter lhes indicado estarem além do hemisfério português demarcado pelo meridiano de Tordesilhas. Reunido Pero Lopes à expedição, Martim Afonso rumou para o norte, voltando ao litoral que já explorara antes de partir para o Prata.
Retornando à região de Cananeia, Martim Afonso preferiu o porto de São Vicente, por causa das melhores condições de abrigo para os navios. Aí encontrou radicado outro europeu, o português João Ramalho, que seria extremamente útil para a fundação, em 22 de janeiro de 1532, da primeira povoação do Brasil, São Vicente, no litoral, e em seguida, Santo André da Borda do Campo, no planalto de Piratininga.
Depois de repartir os colonizadores da expedição entre as duas vilas e organiza-las administrativamente, Martim Afonso mandou seu irmão Pero Lopes retornar a Portugal com notícias da expedição.
Em cumprimento a essa determinação, Pero Lopes deixou aquele porto com duas naus a 22 de maio de 1532, rumando para o norte, ao longo do litoral, para Pernambuco, onde pretendia se preparar para a travessia do Atlântico.
Ao chegar na altura da ilha de Santo Aleixo, no atual litoral pernambucano, Pero Lopes divisou, em 4 de agosto de 1532, uma nau entre a ilha e o continente e, presumindo-a francesa, preparou-se para ataca-la. Este é o último registro de Pero Lopes de Sousa no seu famoso Diário de Navegação, antes de 4 de novembro desse ano, quando ele retomou a viagem, partindo de Pernambuco para Portugal.
Pero Lopes de Sousa, depois de tomar a nau francesa em Santo Aleixo, prosseguiu para o norte para travar a primeira batalha no solo do Brasil, atacando a fortaleza que os franceses haviam levantado na ilha de Itamaracá.
Vanhargen registra que a luta durou dezoito dias consecutivos, ao fim dos quais, o comandante francês, o senhor da la Motte, rendeu-se. Vencida a fortificação dos franceses, Pero Lopes designou, em 30 de outubro, Martins Ferreira como condestável da fortaleza que reconstruiu próximo à anterior, e partiu para Portugal cinco dias depois, chegando a Évora, onde estava a corte de D. João III, no dia 20 de janeiro de 1533. Por sua vez, Martim Afonso de Sousa partiria do Brasil em março desse ano.
A expedição de Martim Afonso de Sousa teve resultados importantes para o conhecimento da nova terra, sua defesa e ocupação. A parcela da esquadra que explorou a costa L-O chegou até a Baía de Gurupi e as informações obtidas nessa viagem certamente contribuíram para a confecção de um pergaminho desse litoral apenas dois anos depois, enquanto a costa N-S foi explorada até o Rio da Prata.
Os franceses foram duramente combatidos em Pernambuco, em duas oportunidades, na chegada da esquadra de Martim Afonso e por Pero Lopes de Sousa, em seu retorno a Portugal.
Mas o grande resultado da expedição foi a ocupação e conquista do território. Depois de reiterar a presença portuguesa em Pernambuco e encaminhá-la na Baía de Todos os Santos, Martim Afonso fundou em São Vicente a primeira povoação do Brasil.
Desses primeiros núcleos de colonização, dois, São Vicente e Itamaracá, se tornariam as mais bem-sucedidas capitanias hereditárias, entregues a donatários de grande capacidade administrativa e militar: o próprio Martim Afonso de Sousa e Duarte Coelho.