O Brasil na defesa do Ocidente: da Segunda Guerra Mundial à atualidade.
- Sérgio Paulo Muniz Costa
- INTRODUÇÃO
O tema desta apresentação tem por finalidade contribuir para a compreensão dos acontecimentos impactantes de uma atualidade que sinalizam crescente incerteza e consideráveis riscos.
Em qualquer análise do cenário mundial, por mais apurada que seja a percepção dos fatos e acontecimentos, não pode faltar o olhar mais longo que explica rupturas e continuidades, difíceis de serem antecipadas pelos coetâneos, mas que fazem parte de uma História que não se repete, porém deixa lições. O objetivo desta exposição é desenvolver esse olhar mais longo, com o que se pretende preencher a sua finalidade: favorecer a compreensão deste tempo de inquietude e insegurança.
O tema proposto se vale das três coordenadas da História: ele delimita um tempo, da Segunda Guerra Mundial à atualidade; situa o Brasil no Hemisfério Ocidental; e indaga quais mudanças teriam ocorrido, ou não, nos dados tempo e espaço. Mas também trata de duas entidades, o Brasil e o Ocidente, pressupondo uma interligação entre elas, o que merece explicações que suscitam reflexões.
A Segunda Guerra foi o maior conflito da História, materialização excepcionalmente violenta do embate monumental de ideias, crenças e valores em um século de duas guerras mundiais e quarenta anos de quase guerra. Ela se iniciou opondo as democracias ocidentais ao totalitarismo nazifascista momentaneamente associado ao comunista que, atacado em 1941, mudou de lado e veio se associar às primeiras. Sendo um desdobramento da Primeira Guerra e sucedida pela Guerra Fria, tal como elas, a Segunda Guerra eclodiu na Europa e opôs as concepções de mundo democráticas e não democráticas, ainda que em agosto de 1914 essas linhas tenham ficado embaralhadas pelas condicionantes militares e geopolíticas.
Portanto, ao longo de todo século XX, travou-se uma luta pela supremacia mundial, não de uma nação ou aliança de nações, mas por quais regimes de governo e ordem internacional prevaleceriam. De um lado, as nações que defendiam o respeito ao direito internacional e a solução pacífica de controvérsias, de outro, os autoritarismos e totalitarismos militaristas. De um lado o Ocidente, os países onde haviam prevalecido os ideais, princípios e instituições da democracia e da economia de mercado, do outro as ditaduras autárquicas.
Portanto, ao mencionarmos o Ocidente, cabe-nos discernir o significado do termo. Trata-se de uma região do mundo? De um grupo de países? De uma aliança militar? De uma associação econômica? Nenhum desses entendimentos explicaria os consensos e convergências entre os países mais importantes do mundo, dentre eles o Brasil.
Para desenvolvermos o tema proposto, abordaremos nessa exposição quatro tópicos:
1º) a civilização ocidental;
2ª) o Brasil no Ocidente;
3º) os conflitos do século XX;
4º) o lugar e o papel do Brasil no mundo.
- A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
O Ocidente é uma das 34 civilizações estudadas por Arnold Toynbee, historiador inglês que se notabilizou por esse trabalho. Toynbee aponta a civilização ocidental como uma decorrência da helênica, à qual se ligou pela Igreja Católica. Desde a Antiguidade Tardia, nos séculos V e VI, em que se consumaram o colapso do Império Romano e a instalação dos reinos bárbaros na sua parte ocidental, até o século XV, aproximadamente mil anos da denominada Idade Média, desenvolveu-se na Europa uma civilização marcada pela descentralização do poder, notadamente feudal; pela sistemática luta pelos direitos e garantias perante o poder; pela busca do conhecimento; e, não obstante a grande influência da Igreja, pela separação dos poderes secular e religioso, até que surgissem os primeiros estados unificados capazes de controlar territórios e populações maiores.
Encerrada a Idade Média, a cristandade ocidental se dividiu entre católicos e protestantes, de diversas confissões, iniciando-se um período de guerras religiosas, das quais a maior foi a Guerra dos Trinta Anos, que chegou a um termo no Tratado de Westfália (1648), pelo qual as populações professariam as religiões de seus soberanos, uma solução que subsistiria por quase duzentos anos e prepararia o advento dos estados nacionais. O século XVII foi de grandes avanços nas ciências humanas, com os trabalhos de Hobbes e Berkeley, e Leibniz e Newton, na física e matemática.
O século XVIII assistiu a ascensão mundial do Ocidente, tanto pelo grande crescimento demográfico tornado possível pela melhoria das condições de vida, como pela expansão da indústria naval e bélica que garantiu superioridade das armadas e exércitos ocidentais sobre os das demais civilizações que não se modernizaram ou que, de alguma forma, não se ocidentalizaram. Foi o Século das Luzes, da expansão do conhecimento, e acima de tudo, o século das revoluções, Americana e Francesa, que legaram ao mundo princípios fundadores de uma nova ordem política, a democracia baseada na soberania popular e nos direitos humanos.
No século XIX, depois de estabelecida uma nova ordem mundial pelo Congresso de Viena em 1815, a Europa se lançou à empreitada colonial por diversas regiões do planeta, um processo já iniciado, mas agora acelerado e expandido pela Revolução Industrial. Na França e na Inglaterra se consolidaram as democracias, surgiram os partidos políticos e o capitalismo industrial se fortaleceu, fazendo aumentar definitivamente as classes médias urbanas e trabalhadoras, com o emergir das questões sociais. Os Estados Unidos, depois da Guerra Civil (1861-1865), também o capitalismo industrial se fundiu à democracia, o que somado à expansão para oeste, colocou o país no rumo da hegemonia mundial.
No início do século XX, os Estados Unidos eram a maior economia e a Inglaterra controlava o maior império colonial, acompanhados pela Alemanha à procura de um papel no mundo e por uma França inconformada com a derrota em 1871. Prevaleciam, no entanto, a moda, a estética e o regime político da Belle Époque, ao qual a única alternativa era a germânica. Na Rússia czarista, tomava forma o inconformismo com o regime autocrático incapaz de se reformar, uma tensão que se agudizou depois da derrota na guerra com o Japão e a repressão à Revolução de 1905.
Enquanto a maior parte do mundo se dobrava ao poder da Europa, dentro dela cresciam as tensões inter e intranacionais que fariam explodir o arranjo do Congresso de Viena que durara cem anos.
- O BRASIL NO OCIDENTE
O Brasil faz parte do Ocidente, mais do que por sua localização, pela sua História. No século XVI, a chegada dos portugueses deu origem “à primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com características nacionais e qualidades de permanência”, como apontou Gilberto Freyre. E isso aconteceu mediante o transplante na nova terra de instituições e mecanismos que haviam evoluído ao longo de séculos no extremo oeste da cristandade ocidental, o Portugal medieval.
Em 1532, fundou-se em São Vicente a primeira vila do continente, com seu concelho incumbido do autogoverno. Dois anos depois, instituiu-se o sistema francamente feudal das capitanias hereditárias que, embora desigual em seus resultados, trouxe a participação do particular na exploração da nova terra e, principalmente, a tradição do poder local, uma condição e etapa histórica para descentralização e limitação do poder dos soberanos no Ocidente.
O Governador-Geral que desembarcou na Bahia em 1549 trouxe consigo um regimento, as normas que deveria seguir e fazer cumprir em sua administração; e o padre Manoel da Nóbrega, encarregado da nova província jesuíta criada no Brasil por Santo Inácio de Loyola. Instituíam-se assim no Brasil os dois pilares tradicionais dos reinos europeus na Idade Média: os poderes secular e religioso que, embora separados, funcionavam harmonicamente. Dois anos depois, foi criado o Bispado em Salvador, oficializando a estrutura da Igreja católica no Brasil.
Em 1609, refletindo o aumento da importância da nova terra, foi instalada em Salvador a Relação da Bahia, um tribunal composto por 10 desembargadores, incumbido de fiscalizar os trabalhos dos juízes de primeira instância, julgar processos em segunda e funcionar como terceira instância de apelação antes de serem remetidos à Casa de Suplicação em Lisboa. Extinto em 1626 e recriado em 1653, contando em seus quadros com desembargadores nascidos no Brasil, o Tribunal da Relação assinalou o advento da Justiça independente no País. Em 1696 foi adotado o juiz de fora, um magistrado da Coroa que contrabalançava a influência dos juízes eleitos para os concelhos locais.
Votava-se, portanto, no Brasil do século XVII: para escolha dos concelhos e dos juízes de primeira instância. E distribuía-se justiça, de forma independente do poder secular e religioso, atuando os desembargadores da Relação nas esferas criminal, civil e canônica. Em sua formação, o Brasil evoluía em conformidade com o legado que recebeu de Portugal, que continuou desenvolvendo nas condições peculiares da nova terra. Dessa maneira, por sobre a paisagem física e humana que engendrou uma sociedade mestiça, tolerante e sincrética, influiu na formação da nação um conjunto de preceitos e práticas que a civilizaram de maneira peculiar.
Esse arcabouço institucional permitiu que, depois de independente, o Brasil desse início, sem grandes dificuldades, à sua experiência parlamentarista sob a égide de uma constituição que, não obstante, tivesse sido outorgada pelo Imperador D. Pedro I, continha pontos avançados para a época. O estado-nação brasileiro tomou forma como uma democracia coroada, assim reconhecido em todo mundo.
A Proclamação da República ampliou a afinidade do Brasil com as democracias ocidentais, mediante a constituição de uma federação, a assunção da soberania popular, a universalização do voto e a separação dos poderes. Muito embora o Imperador fosse respeitado e bem-quisto no exterior, a mudança de regime no Brasil foi bem-vista nos Estados Unidos e na França, acolhida como uma modernização institucional que melhoraria as relações do País com os Estados Unidos, em particular.
- OS CONFLITOS DO SÉCULO XX
Quando a crise civilizacional do Ocidente explodiu em agosto de 1914, o Brasil já tinha lado. Tradicional aliado da Inglaterra, tendo se aproximado dos Estados Unidos segundo a orientação da política externa do Barão do Rio Branco e com uma elite admiradora da cultura francesa, no início do século XX, o Brasil mantinha excelentes relações com as principais democracias, das quais procurava tomar por referência os principais procedimentos institucionais.
Já em relação à Alemanha, dois episódios caracterizaram o afastamento entre os dois países ainda antes da guerra. O primeiro foi o incidente com a canhoneira Panther em Itajaí, Santa Catarina, em novembro de 1905, causado pelas arbitrariedades causadas por oficiais alemães desembarcados sob pretexto de capturarem um desertor. O segundo foi a Conferência de Haia, em que se notabilizou Rui Barbosa pela sua defesa da igualdade entre as nações e cujas falas deixavam o Kaiser irritado com aquele “advogado de meia casta”, como anotou Barbara Tuchman. Como pano de fundo, a contrariedade do governo brasileiro com o pangermanismo que se estendia às colônias alemãs no Sul do País. Deflagrada a guerra em 1914, mais tarde, em 26 de outubro de 1917, com a guerra submarina irrestrita da Alemanha que atingiu navios brasileiros, o governo Wenceslau Brás declarou guerra à Alemanha, tendo o Brasil enviado aviadores para se integrarem o Real Corpo Aéreo inglês, uma missão médica militar à França e uma divisão naval a Dacar, na África, para patrulhar o Atlântico.
No final da década de vinte, consolidado o regime soviético, Stalin enxergou no Brasil o campo para atacar o seu grande inimigo, já escolhido, os Estados Unidos. Os soviéticos consideravam o Brasil uma dependência norte-americana e estavam bem-informados sobre a preparação da Revolução de 1930. Percebendo a oportunidade de controlarem o movimento em germinação, aproximaram seus agentes de Luiz Carlos Prestes, o líder emblemático da coluna comandada por Miguel Costa que percorreu o Brasil depois da Revolução de 1924. Embora não tenham conseguido controlar ou direcionar o movimento, os comunistas conquistaram algum espaço, nas Forças Armadas, imprensa e sindicatos, o que lhes permitiu preparar a sua própria revolução. Contando com a liderança de Prestes e a estrutura clandestina do partido, eles desencadearam, com recursos e orientação de Moscou, em novembro de 1935, a denominada Intentona Comunista. Houve combates no Rio de Janeiro, Recife e Natal, com estimativas de até 2.000 mortos. Prestes foi preso, juntamente com vários cúmplices, e o Partido Comunista reprimido.
Mas o ambiente internacional que repercutia no Brasil era de extremismos, sendo estudantes, jornalistas e intelectuais submetidos ao assédio de comunistas de um lado e nazistas e integralistas de outro, com resultante polarização da sociedade. A propaganda nazista nas colônias era intensa e a pretensão de Hitler em fazer dos descendentes de alemães nas colônias do sul do País súditos do Reich, onde deveriam prestar serviço militar, causou uma séria crise diplomática entre os dois países que chegou ao ponto de provocar o afastamento do embaixador germânico. Descontentes com Vargas que lhes frustrara a participação que desejavam no Estado Novo – o governo imposto pelo golpe de 10 de novembro de 1937 – os integralistas brasileiros, mais próximos do fascismo italiano, desfecharam em maio de 1938, a denominada Intentona Integralista. O golpe falhou, devido à rápida reação do Ministro da Guerra, General Dutra, e um dos seus principais líderes se asilou na embaixada da Itália. Não foram encontradas provas do envolvimento das embaixadas alemã e italiana na tentativa de golpe, mas a desconfiança do governo nesse sentido permaneceu.
A Segunda Guerra Mundial não pegou o País e surpresa, mas, em pouco tempo, o surpreendente rumo dos acontecimentos colocou enormes desafios ao governo brasileiro. Avisos de países amigos e o acompanhamento da conjuntura levaram a importantes medidas de preparo e emprego das Forças Armadas. Os militares brasileiros já tinham relações estreitas com as forças armadas das duas maiores democracia da época, Estado Unidos e França, e foram feitas importantes aquisições de armamento, dentro das disponibilidades e possibilidades comerciais da época, inclusive de canhões alemães.
A aproximação da guerra do Hemisfério Ocidental levou a sucessivas conferências de chanceleres americanos, até que na terceira, realizada em janeiro de 1942 no Rio de janeiro, depois do ataque a Pearl Harbour e da declaração de guerra da Alemanha ao Estados Unidos, Brasil e Estados Unidos pressionaram os países sul-americanos a romperem relações diplomáticas com os países do Eixo, a aliança político-militar entre os regimes nazista alemão, fascista italiano e militarista japonês. Rompidas as relações diplomáticas com Berlim, o Brasil viu se intensificarem os afundamentos de seus navios mercantes, até que, em agosto de 1942, numa rápida sequência, cinco navios brasileiros foram afundados no litoral da Bahia e Sergipe, o que levou à declaração de guerra à Alemanha.
Empenhando-se na mobilização militar para guarnecer a parte mais exposta de seu território, o Nordeste, o Brasil teve condições de negociar com os Estados Unidos a cessão de bases aéreas e navais que teriam importância decisiva na batalha do Atlântico Sul e na invasão da África do Norte, pelo que o saliente nordestino, debruçado sobre o estreito do Atlântico – o trecho do Atlântico Sul entre Natal e Dacar – foi cognominado de Trampolim da Vitória.
Afastada com a invasão norte-americana da África do Norte a ameaça de uma invasão ou incursão do Eixo sobre o território brasileiro a partir de Dacar, até então sob o governo colaboracionista francês de Vichy, o Brasil foi convidado a participar da invasão aliada da Europa, que começaria na Itália em 1943. Para tanto, o governo criou naquele ano a Força Expedicionária Brasileira (FEB), concebida inicialmente como um Corpo de Exército, formado por duas divisões de infantaria e uma mecanizada, organizadas em moldes americanos. Constituída em torno da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária, a FEB atuou na frente da Itália entre setembro de 1944 e maio de 1945, desempenhando, junto com o 1º Grupo de Aviação de Caça, papel relevante que contribuiu para o abreviamento da luta naquela frente.
O Brasil emergiu do conflito como a única nação latina que participou ativamente das operações de guerra, não tendo sido ocupada ou destruída e com expressivo saldo comercial. Foi convidado a assumir um setor de ocupação aliada na Áustria e quase se tornou o 6º membro do Conselho de Segurança da recém-criada Organização das Nações Unidas.
Terminada a guerra, em pouco tempo surgiu a ameaça de novo conflito mundial causada pelo totalitarismo soviético que baixou a Cortina de Ferro na Europa Oriental – termo criado por Winston Churchill para designar a instalação por Moscou de regimes satélites comunistas no Leste Europeu – e retomou as práticas de subversão, espionagem e sabotagem contra os países do Ocidente. A Guerra Fria, a confrontação política e ideológica entre os países democráticos liderados pelos Estados Unidos e o bloco comunista pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que eventualmente deflagrou ou utilizou conflitos regionais e locais ou redor do mundo, durou de 1947 a 1991, quando a URSS se extinguiu.
Durante esse conflito, o Brasil foi alcançado pelos seus efeitos e teve que posicionar ativamente na defesa do Ocidente. Em 1947 o País sediou a Conferência do Rio de Janeiro, que contou com a presença do presidente norte-americano Harry Truman, para assinatura do Tratado Interamericano de Defesa (TIAR), o primeiro acordo de defesa coletiva da História, inspirado na Carta da ONU, pelo qual, além de obrigações entre os signatários, estipulava que a agressão a um deles seria considerada uma agressão a todos. Em 1952, o Brasil assinou um acordo militar com os Estados Unidos que previa cooperação em diversas áreas de defesa e facilitou a aquisição de material militar norte-americano para equipar as forças armadas brasileiras que, depois da Segunda Guerra Mundial, adotaram a doutrina militar daquele país. Dez anos depois, em 1962, durante perigosa Crise dos Mísseis, causada ela instalação de mísseis russos em Cuba apontados para os Estados Unidos, não obstante o seu governo estar sob a égide da equivocada política externa independente – que pressupunha toda a política externa anterior “dependente” -, o Brasil apoiou a resolução da OEA no sentido de impor a quarentena militar a Cuba para impedir a chegada de navios com novos mísseis russos. Três anos depois, diante do temor das nações americanas de que a guerra civil na República Dominicana levasse a instalação de mais um regime comunista no Hemisfério, como o instalado em Cuba desde 1959, o Brasil assumiu o encargo de comandar a Força Interamericana de Paz (FIP) da Organização dos Estados Americanos (OEA) naquele país, enviando a Força Armada Interamericana do Brasil (FAIBRAS), constituída por um batalhão do Regimento Escola de Infantaria e um grupamento de fuzileiros navais. A intervenção da OEA na República Dominicana (1965-1966) foi um caso clássico de sucesso do emprego de uma força internacional para cessar a guerra civil e impedir um golpe comunista em um país assolado por grave crise política, para o que concorreu o empenho do Brasil.
Mas o principal efeito da Guerra Fria no Brasil foi a agressão oblíqua, ou seja, indireta, desferida pela URSS através da orientação e do patrocínio a Cuba para a promoção da luta armada revolucionária de guerrilhas no País. Embora tenha o regime da V República (1964-1985) tenha mantido as relações diplomáticas com a URSS, retomadas em 1961 pelo governo João Goulart depois de interrompidas em 1947 pelo governo Dutra, o governo soviético, então empenhado em disputa com a China continental pela liderança do movimento revolucionário mundial, utilizou Cuba para fomentar a subversão e luta armada no Brasil com vistas à instalação no País de um governo comunista, o que vitimou centenas de brasileiros.
Encerrada Guerra Fria, no alvorecer do século XXI, por ocasião dos atentados terroristas do 11 de Setembro, o Brasil deu nova demonstração de solidariedade aos Estados Unidos, invocando na Conferência de Lima, realizada no Peru naquele mesmo ano, o TIAR, comprometendo todos os países do Hemisfério adotarem medidas efetivas de combate ao terrorismo e a não permitem que seus territórios fossem usados como base para novas agressões aos Estados Unidos. Nos dias posteriores ao atentado, o Chefe da Representação do Brasil na Junta Interamericana de Defesa (JID), em sessão ocorrida na sede do organismo, em Washington, DC, depois de ler a carta de solidariedade do Almirante norte-americano membro da Comissão Brasil-EUA entregue ao seu colega brasileiro em 1942, por ocasião do afundamento de navios nacionais na costa de Sergipe e Bahia, apresentou os votos de solidariedade aos Estados Unidos diante da covarde agressão sofrida.
Logo em seguida, em 2004, por ocasião do colapso do governo do Haiti, o Brasil aceitou o convite para comandar a Missão da ONU naquele país (MINUSTAH), enviando um batalhão de força de paz e uma companhia de fuzileiros navais e, posteriormente, uma companhia de engenharia de força de paz, depois transformada em batalhão, para evitar que o território daquele país conturbado pela desordem política e social desestabilizasse a região e fosse usado como plataforma de ataques terroristas.
O que se verifica nessa resenha histórica é o alinhamento do Brasil, no decorrer dos grandes conflitos do século XX, com as democracias ocidentais e seu posicionamento efetivo nas áreas militar e diplomática, quando necessário. O Brasil é um tradicional aliado dos Estados Unidos, como reconheceram publicamente sucessivos presidentes norte-americanos. E o é por questões de seu interesse nacional.
Também a boa memória europeia, que parece desaparecida ultimamente, não esquece a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Em 1976, por ocasião da visita do Presidente Geisel à Inglaterra e de manifestações críticas na imprensa britânica ao regime brasileiro, o mais prestigioso jornal inglês publicou editorial lembrando o papel do aliado na hora mais difícil da Inglaterra.
- O LUGAR E O PAPEL DO BRASIL NO MUNDO
A primeira constatação resultante dessa exposição é o lugar do Brasil, o maior país dos hemisférios sul e ocidental; com o mais extenso litoral e maiores portos e jazidas de petróleo no Atlântico Sul; ocupando a maior parte da América do Sul, confrontante à África e com defrontação sobre a Antártica; dono da maior parte da Amazônia, seu bioma, mananciais de água doce e biodiversidade; e com um arco de fronteira terrestre de 15.719 Km com dez países, o que por si só assinala as suas responsabilidades internacionais e a impossibilidade de seu isolamento.
No tocante à defesa, esse lugar do Brasil o levou a empenhar-se em operações militares no Atlântico Sul, navais, em 1918, e aeronavais, entre 1942 e 1945, realçando a constatação de que nenhum conflito mundial deixou de atingir o País desde o século XVII. Avesso ao envolvimento em conflitos fora de sua área de interesse, nas guerras do século XX, o Brasil atuou para impedir o transbordamento das hostilidades ao continente sul-americano e para preservar sua soberania na defesa do território e do hemisfério, em cooperação com seus aliados ocidentais. E assim tem procedido até os dias atuais.
O Brasil desempenha papel de relevo no mundo desde que completou sua modernização política, econômica e social nos anos 80 do século XX. Em 1982, pela primeira vez, um presidente brasileiro, o General Figueiredo, discursou na abertura da Assembleia Geral da ONU, tradição mantida até hoje e decorrente da magnífica atuação de Osvaldo Aranha como chefe da delegação do Brasil naquele organismo em seu limiar. Mantendo relações diplomáticas com a grande maioria das nações, sendo a maior democracia dos Hemisférios Sul e Ocidental e com uma economia pujante, o Brasil tem credenciais para contribuir para a paz, estabilidade prosperidade mundiais.
Mas a principal contribuição que o Brasil pode oferecer ao mundo nesta era de incerteza é o que ele é.
Uma nação do Ocidente, mestiça, tolerante e sincrética, um encontro de raças, culturas e saberes que tem um futuro.
Basta ele não esquecer a História.