Tuiuti: A vitória pela disciplina e pelo fogo *
No dia 20 de maio de 1866, depois de transposto para a margem direita do Paraná o restante material do exército e serem resolvidos os problemas logísticos dos argentinos, os aliados avançaram através do passo Sidra, com a vanguarda sob comando do General Flores. A forca paraguaia ali posicionada, sob o comando do Tenente-Coronel Cabral, foi facilmente desalojada e recuou até ser acolhida na posição de Estero Rojas, ao norte do descampado de Tuiutí́, onde os aliados acamparam.
Os paraguaios dispunham nessa forte posição de Estero Rojas, protegida por entrincheiramentos e artilharia, uma força aproximada de 25.000 homens, restando 13.000 no Sauce, em Passo Gomez, nas linhas de Estero Rojas e em Humaitá́ e Curupaiti, dispondo a artilharia sob o comando de Bruguez de perto de 100 peças. O exército aliado somaria perto de 32.000 combatentes, sendo 21.000 brasileiros e 11.000 argentinos e uruguaios.
Abria-se, pela primeira vez, a oportunidade de uma batalha campal na recém- iniciada campanha do Paraguai. Os aliados acamparam em Tuiutí́ sobre a estrada para Humaitá, com os brasileiros na esquerda e no centro, onde estacionaram também os uruguaios, e à direita os argentinos. Seu dispositivo no campo de Tuiutí́ estava articulado em profundidade, com um primeiro escalão mais próximo de Estero Rojas (também chamado de Bellaco do Norte) e mais à retaguarda o grosso do exército (imagem 1).
À frente do primeiro escalão estavam desenvolvidas as unidades de vanguarda, da direita para a esquerda: o regimento argentino San Martin, o 41o BVP e os batalhões uruguaios Independencia e Libertad. O primeiro escalão aliado era composto por duas divisões argentinas, pela artilharia argentina, em seguida a 6a divisão brasileira, a artilharia brasileira e mais à esquerda a 3a divisão, também brasileira. Em torno de Mitre e Osório, à direita e à esquerda, respectivamente, reunia-se o grosso do exército aliado. As artilharias à frente prepararam parapeitos e a brasileira um fosso à frente de sua posição, prevenindo-se contra possíveis surpresas. Nos dias 22 e 23, os aliados tatearam as posições paraguaias e previram outro reconhecimento, em forca, no dia 24.
Solano Lopes esperava um ataque às suas posições no dia 25, um dado incorreto, pois os aliados estavam ainda procedendo reconhecimentos e se dando conta da extensão e solidez da posição paraguaia. Segundo depoimentos de seus auxiliares, seu plano original era esperar para lançar um ataque de destruição sobre a retaguarda de seus adversários quando recuassem batidos de sua ofensiva sobre o campo paraguaio. Esse ataque aliado não poderia ser lançado imediatamente, como imaginou Lopes. De toda forma, diante dos sucessivos reconhecimentos aliados e da má́ inteligência que recebeu, Lopes decidiu lançar um ataque de várias direções sobre o acampamento aliado.
É difícil compreender o que o levou a tomar tal decisão. O exército paraguaio estava muito bem colocado atrás das linhas de Estero Rojas, dispondo das fortificações de Curupaiti e Humaitá́ e de boa posição no Sauce, todas ligadas por telégrafo elétrico ao quartel-general de Lopes em Passo Pucú́. De trás das trincheiras e pântanos de Estero Rojas, os seus 25.000 homens poderiam resistir com êxito aos pouco mais de 30.000 soldados da aliança, bastando explorar as dificuldades e insucessos do adversário para estabelecer um impasse na guerra.
Entretanto, Lopes optou por lançar um ataque duplamente envolvente sobre o acampamento aliado, pretendendo destruí́-lo. Esse era um plano insensato, pois além de não disporem de superioridade numérica, os paraguaios iriam atacar uma força bem comandada que, a despeito das desvantagens do terreno onde acampara, estava articulada em profundidade e pronta a reagir, como reagiu, à pretendida surpresa de Lopes.
Lopes lançou 4 colunas sobre as forças aliadas. Ao centro, atacaram Diaz e Marcó, cada um com cerca de 4.000 homens de infantaria e cavalaria, apoiados por 4 obuses. Pela sua esquerda, Resquin, com 3.000 infantes e 5.000 cavalarianos, deveria atacar os argentinos e envolver pela direita o exército aliado operando junção com Barrios. E à direita, contornando todo o acampamento aliado para atacá-lo pela retaguarda em Potreiro Pires, Barrios com 7.000 infantes e 1.000 cavalarianos, buscando fazer junção com Resquin. Eram, portanto, três grupamentos, cada um com cerca de 8.000 homens, que atacaram o acampamento das forças da Tríplice Aliança em Tuiutí́, ao meio-dia de 24 de maio de 1866, dando início à maior batalha campal da América do Sul (imagem 2).
O ataque de Diaz e Marcó ao centro fez retrocederam os dois batalhões uruguaios e um brasileiro na vanguarda, mas foi detido pelo fogo da artilharia aliada que causou terríveis baixas na cavalaria paraguaia. No fosso mandado cavar em frente à grande bateria do 1o RACav pelo Tenente-Coronel Emílio Luís Mallet, amontoavam-se mais e mais cavalos e soldados mortos. Para se ter uma ideia do esforço inimigo, por volta das 13:00hs, “a artilharia de Mallet repelia já a sexta investida da cavalaria paraguaia”. Nesse setor, a 6a Divisão, do General Vitorino também sustentou suas posições à direita e à esquerda do 1o RACav. Os uruguaios, sob o comando de Flores, mais à esquerda do 1o RACav, mantiveram também suas posições com nutrido fogo de artilharia e de infantaria. O centro se manteve firme desde o início da batalha, mas os paraguaios, depois de repelidos no ataque frontal, tentaram penetrar pelos flancos do setor, sendo contidos pelos destacados por Sampaio para a esquerda da bateria uruguaia, a 5a Brigada, e à direita pela 6a Divisão do General Vitorino que reforçou a ligação entre essa bateria e o 1o RACav com 14a Brigada. A direita do regimento de artilharia brasileiro, Vitorino empregou o restante de sua divisão, a 12a e 18a Brigadas, sendo reforçado no auge da batalha por 8 peças de 6 do 3o Batalhão de Artilharia a Pé, que realizaram intenso fogo dirigido pelo próprio General Gurjão, comandante geral da artilharia brasileira.
À direita dos aliados, a cavalaria de Resquin, em um movimento sobre a retaguarda dos aliados, atacou o 2o Corpo argentino e conseguiu bater a cavalaria de Hornos e Cáceres, mas a infantaria de Conesa chegou a tempo para repeli-lo, fazendo fracassar assim a tentativa pela direita de envolvimento do exército aliado. A infantaria dessa força de Resquin atacou o 1o Corpo e chegou às peças argentinas, mas foi batida pelas tropas dos Coronéis Rivas e Arredondo.
Na esquerda, onde combatiam os brasileiros, a batalha foi mais difícil e prolongada. Em primeiro lugar porque nesse ângulo a 3a Divisão, de Sampaio, teve que combater à frente e à esquerda, e em segundo lugar porque a ação envolvente de Barrios encontrou de início no Potreiro Pires apenas forças de cavalaria que vigiavam aquele setor.
A 3a Divisão viveu os momentos mais críticos da batalha. À esquerda, Sampaio, com a 7a Brigada, do Coronel Machado Bittencourt – 1o BI, 6o, 9o e 11o BVP e mais o 4o BVP -, enfrentou o ataque lançado por Diaz apoiado por elementos de Barrios, enquanto reforçava o flanco esquerdo da posição uruguaia com a 5a Brigada, do Coronel Oliveira Bello – 3o, 4o, 6o BI, menos o 4o BVP. Nesse setor, a pressão paraguaia ameaçou abrir uma brecha, o que foi evitado com o avanço de uma das brigadas da 1a Divisão, a 10a, do Coronel Resin – 13o BI, 2o , 22o , 26o e 40o BVP – levada pelo próprio comandante divisionário, o General Argolo, e em seguida da 11a Brigada, do Coronel Guimarães – 10o e 14o BI, 20o e 31o BVP – da 4a Divisão, conduzida por Osório. Durante o combate, o General Sampaio recebeu três ferimentos que o obrigaram a se afastar da luta, sendo substituído no comando da 3a Divisão pelo Coronel Machado Bittencourt.
Na retaguarda e à esquerda, a situação foi confusa desde o início da batalha. A coluna de Barrios desembocou no potreiro Pires e caiu sobre a Brigada Ligeira do General Neto que, apoiada pelos 1o e 24o BVP, guardava o pasto dos poucos cavalos que restavam às forças brasileiras. Unidades da 1a Divisão (Argolo), da 4a Divisão (Xavier de Sousa) e da 2a Divisão de Cavalaria (Mena Barreto) que se encontravam no centro do acampamento brasileiro acorreram em socorro à Brigada Ligeira. Osório também destacou para o setor a 3a Bateria (Bernardo Vasques) do 1o Batalhão de Artilharia a Pé́, do Major Hermes da Fonseca, e o 3o Batalhão de Artilharia a Pé́, do Major Pereira Valente, que com suas 12 peças ocuparam posição “em frente à garganta formada pelos matos que correspondiam à frente”. Não obstante terem combatido aí misturadas unidades apartadas de suas brigadas e divisões, os comandantes presentes conseguiram amalgamá-las de maneira eficaz. A coluna de Barrios foi detida, repelida e perseguida até a entrada da mata, com pesadas baixas.
A batalha durou até um pouco além das 16:00hs. A vitória aliada se deveu à disciplina e prontidão da tropa que, ao contrário do que previa Lopes, não foi surpreendida; e ao sólido dispositivo da artilharia aliada que ergueu uma barreira de fogo diante da investida paraguaia contra o escalão mais avançado do exército acampado. A lição de Estero Bellaco fora aprendida. A tropa aliada, como um todo, manteve-se firme, mas nela se destacou a 3a Divisão, de Sampaio, que suportou sozinha o esforço principal paraguaio. Porém, mais uma vez, o elemento decisivo para a vitória foi Osório. Ele esteve presente em toda parte, cavalgando de lança em punho e sendo aclamado com entusiasmo por brasileiros, argentinos e uruguaios. Com seu golpe de vista, Osório enxergou o perigo nos momentos e pontos críticos, que ele conjurou despachando ou levando pessoalmente reforço vitais que contiveram a avalanche paraguaia. Osório, mais uma vez, fora a centelha da vitória.
As baixas dos aliados foram elevadas. Seus boletins contabilizaram a perda de 3.913, entre mortos e feridos, dos quais 3.011 foram brasileiros, 606 argentinos e 296 uruguaios. Foi perdida pelos orientais uma bandeira de batalhão e pelos argentinos dois estandartes de cavalaria. Os brasileiros sofreram as maiores baixas, não só́ por sua tropa corresponder a dois terços do efetivo aliado, mas também porque sobre a 3a Divisão incidiu o esforço principal paraguaio. Seu comandante, o Brigadeiro Sampaio, foi gravemente ferido e morreu mais tarde quando era transferido para Buenos Aires. Tombaram mortos na batalha os comandantes do 3o e 55o BVP, Majores Rocha Galvão e Inocêncio Cavalcanti, e mais 60 oficiais brasileiros. Outros 169 oficiais ficaram feridos, dentre eles os Generais Osório e Guilherme de Sousa, levemente, e os comandantes do 1o BI, Guimarães Peixoto; do 4o BVP, Pinheiro Guimarães; do 1o RACav, Mallet; e de mais onze unidades. Os brasileiros capturaram quatro canhões, duas bandeiras e um estandarte, enquanto os argentinos tomaram três estandartes paraguaios e os uruguaios um. Mas as perdas paraguaias foram devastadoras: 6.000 mortos, 7.000 feridos e 370 prisioneiros, mais da metade do efetivo empregado. Mais uma vez, Solano Lopes empreendeu uma ação temerária que custou elevadas baixas ao seu exército.
Muito se falou que, após a batalha de Tuiutí́, devido às baixas e ao desgaste aliado, a guerra entrou em compasso de espera. Na verdade, Tuiutí́ revelou o grande problema estratégico-operacional que os aliados iam enfrentar nos dois anos seguintes. A batalha foi, sem dúvida, uma expressiva vitória material e moral da Tríplice Aliança, uma vez que provocou graves baixas ao exército paraguaio, assegurou a integridade do exército aliado e garantiu sua permanência em território inimigo. Mas o quadro estratégico-operacional era complexo demais para que essa vitória obtivesse algum resultado decisivo naquela altura da guerra.
* trecho do livro do autor “Cinco Séculos de História Militar do Brasil: espaço, cultura, sociedade e nação”. Rio de Janeiro: IHGB, 2021, 750p.