A Epopeia da Legião de São Paulo
Bem maior, no entanto, do que a desmemória da guerra contra Solano Lopes é o quase completo desconhecimento a respeito das guerras no Sul no início do século XIX, cujas origens retroagem ao XVIII.
Olvidam-se assim acontecimentos e personagens decisivos para a formação e evolução da Nação, como os feitos dos homens da Legião de São Paulo, na Guerra de 1811 e na Guerra contra Artigas (1816-1820).
A Legião de Tropas Ligeiras de São Paulo foi criada pelo Capitão General Martins Lopes em observação à Carta Régia de 14 de janeiro de 1775, para reconquistar a Província de São Pedro do Rio Grande, ocupada pelos espanhóis, desde 1763.
Baseava-se na fama dos paulistas como os guerreiros e exploradores por excelência do Brasil Colonial.
A Legião era uma adaptação da cavalaria ligeira europeia, mais leve e rápida, ao cenário sul-americano, a qual deveria depender o mínimo possível dos apoios logísticos convencionais, dada a precariedade de meios na Colônia.
Composta originalmente por dez Regimentos (seis de Infantaria e quatro de Cavalaria) e sob o comando de Rafael Pinto Bandeira, os paulistas conquistaram o Forte de Santa Tecla, em 24 de março de 1776, e participaram das ações que culminaram na retomada da praça de Rio Grande, em 1o de abril do mesmo ano.
Foi um início auspicioso para a Legião que, além de ter seus feitos reconhecidos, inspirou a criação da Legião de Tropas Ligeiras, recrutada na própria capitania de São Pedro.
Em 1808, um Alvará redefiniu a composição da Legião, que passaria a se chamar Legião de Tropas Ligeiras de São Paulo e, em tempos de guerra, teria 2.442 combatentes, com 2 batalhões de infantaria, uma brigada de cavalaria e uma brigada de artilharia.
Mas a consagração da Legião de São Paulo na História Militar do Brasil viria de sua atuação nas Guerras de 1811 e contra Artigas, em 1816.
O Exército de Pacificação de D. Diogo de Sousa que interveio na Banda Oriental, em 1811, era composto de tropas brasileiras do Rio Grande, Santa Catarina e São Paulo, tendo na Legião de São Paulo a sua principal força, cujos efetivos tiveram destacada atuação ao longo de toda a guerra.
Por ocasião da guerra de 1816, os seus efetivos tiveram participação decisiva nas vitórias de Ybirocaí, Carumbé, Catalão e Tacuarembó.
Um dos mais renomados comandantes táticos da guerra, o Brigadeiro Joaquim de Oliveira Álvares, antigo integrante da Legião e comandante da vitória de Carumbé, foi depois Ministro da Guerra. E a principal crônica da guerra, “Memórias da Campanha de 1816” foi redigida por um destacado legionário, o Major Diogo Arouche de Moraes Lara.
Com a declaração de Independência do Brasil, em 1822, a Legiao seguiu para a província da Cisplatina, a fim de lutar contra o exército de ocupação português, que permanecia leal ao Rei D. Joao VI.
Após a consolidação da Independência, com a transformação do exército colonial luso-brasileiro agora em Exército Brasileiro, as tropas da Legião passaram a compor o 3º Regimento de Cavalaria Ligeira.
Os herdeiros das tradições da Legião de Tropas Ligeiras de São Paulo, agora como um Regimento de Cavalaria do Exército Brasileiro, viriam ainda a combater na Guerra da Cisplatina (1825-1828), nas campanhas contra Oribe e Rosas (1851-1852), no sítio a Paissandu (1863) e na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870).
Nessa última, participaram das batalhas, entre outras, de Estero Belaco, Tuiuty, Humaitá, Curupaiti, Avai, Lomas Valentinas, Angustura e da Dezembrada.
Atualmente, o 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado, sediado em Quaraí-RS, é a tropa do Exército Brasileiro que carrega as tradições da Legião de Tropas Ligeiras de São Paulo.
Se ainda resistem ao esquecimento os feitos da Legião de Tropas Ligeiras de São Paulo, desapareceu a memória do monumento a um dos capítulos mais importantes dessa epopeia.
Conforme narrou o Barão do Rio Branco, nesse monumento, abaixo dos nomes das batalhas da Guerra de 1811, leria-se:
“Este monumento, que deve perdurar, consagrado pela religião, os officiais e soldados da Legião de São Paulo no Prata collocarão no dia 1o de dezembro do ano de 1812”.
Se o monumento existiu ou não, e por que não foi erigido ou desapareceu, é uma história a desvendar.
Mas certamente um lugar onde ele deveria perdurar é Santos, o berço da Legião de São Paulo, que tão bem serviu à causa do Brasil.