Riachuelo, a batalha que mudou a guerra. *
Depois da incursão sobre Corrientes, no dia 25 de maio, data nacional argentina, em conjunto com as tropas argentinas de Paunero, a força naval brasileira, composta pela segunda divisão de Barroso, com a Amazonas, Parnaíba, Araguari, Iguatemi e Mearim, e pela terceira divisão de Gomensoro, com a Jequitinhonha, Beberibe, Belmonte, Ipiranga e Itajaí, fora fundear, no dia 27 de maio, na margem do Chaco, defronte ao monumento chamado Coluna, em um local equidistante de Corrientes, ocupada pelos paraguaios, e da foz do arroio conhecido por Riachuelo, a jusante, na margem esquerda do Paraná.
A escolha pelo comandante da força naval brasileira, o Chefe de Divisão Francisco Manuel Barroso da Silva, desse local como base para o bloqueio contra o Paraguai era justificável pela recente incursão aliada e pela proximidade da confluência de Três Bocas e da cidade de Corrientes. A esquadra brasileira cumpria seu papel ofensivo àquela altura da campanha, sendo o único elemento com poder de combate para, se não impedir, pelo menos prejudicar as operações de Lopes na província Corrientes. As canhoneiras Itajay e Ivaí haviam seguido rio abaixo, a primeira escoltando os barcos da força de Paunero e a segunda para defender Bela Vista, ficando a esquadra com 9 vapores, armada com 59 peças e guarnecida por 2.297 homens da Marinha e do Exército.
Nome | Comandante | Comp. e calado | Propulsão e potência | Armamento | Tripulação | Tropa |
Amazonas Capitânia de Barroso | CF Theotonio de Brito | 188/ 14 pés | Rodas 300 cavalos | – 4 canhões-obuses de 68; – 1 rodízio de 68; – 1 peça raiada de 70; | 149 | 313 |
Jequitinhonha c/ flâmula de Gomenso ro | CT J.J. Pinto | 175/ 12 ½ pés | Hélice 130 cavalos | – 6 canhões de 32 em bateria; – 2 de 68 em rodízio. | 120 | 166 |
Beberibe | CT Bonifácio de Sant’Anna | 175/11 pés | Hélice 130 cavalos | – 6 canhões de 32 em bateria; – 1 rodízio de 68. | 178 | 146 |
Parnahy Ba | CT Garcindo de Sá | 164/9 pés | Hélice 120 cavalos | – 4 canhões de 32 em bateria; – 2 rodízios de 68; – 1 peça raiada de 70. | 141 | 122 |
Belmonte | 1o Ten. J. F. de Abreu | 168 pés/ 9 ½ pés | Hélice 120 cavalos | – 4 canhões de 32 em bateria; – 3 de 68 em rodízio; – 1 peça raiada de 70. | 109 | 95 |
Araguary | 1o Ten. A. L. Von Hoonholtz | 146/ 7 ½ pés | Hélice 80 cavalos | – 2 canhões de 32 em bateria; – 2 rodízios de 68. | 89 | 83 |
Ypiranga | 1o Ten. Álvaro de Carvalho | 145 pés/ 9 ½ pés | Hélice 70 cavalos | – 6 canhões; de 30; – 1 rodízio de 30. | 106 | 65 |
Mearim | 1o Ten. Eliziário Barbosa | 150/ 7 ½ pés | Hélice 100 cavalos | – 4 canhões de 32; – 3 de 68 em rodízio. | 125 | 67 |
Iguatemy | 1o Ten. Macedo Coimbra | 145 pés/ 7 ½ pés | Hélice 80 cavalos | – 2 canhões de 32 em bateria; – 3 rodízios de 68. | 96 | 117 |
Conhecendo a localização da esquadra brasileira, Lopes decidiu lançar contra a ela um ataque de surpresa explorando ao máximo as vantagens que o curso e as margens do rio naquele trecho poderiam lhe oferecer. Para tanto, ele havia determinado que alguma infantaria e artilharia, comandadas respectivamente pelos Tenentes-Coronéis Aquino e Bruguez, fossem posicionadas nas proximidades do Riachuelo. Essas forças tinham ordem de permanecer ocultas e em silêncio. Dias antes da batalha, elas deixaram passar, pelo canal entre a ilha de Palomera e a foz do Riachuelo, vapores brasileiros. Sua missão era surpreender pelo fogo a esquadra brasileira quando atraída ao combate e proteger a paraguaia em caso de revés. A posição de Bruguez, disporia de 22 peças, cerca de 1.000 infantes e foguetes à Congrève.
A esquadra paraguaia partiu de Humaitá com nove navios, no entanto, na altura de Três Bocas, o vapor Ybera, com 4 peças, do comandante Gill, teve um pane na hélice e não pode prosseguir. Comandada pelo experiente Chefe Meza, a força naval paraguaia dispunha para o combate de 8 navios e 6 chatas, levando um total de 36 canhões, aos quais se somavam os 22 da posição de Bruguez, num total de 58 peças. Ouvidos os prisioneiros após a batalha, a estimativa do efetivo a bordo da esquadra de Meza seria de 2.500 homens.
Nome | Comandante | Propulsão e deslocamento | Armamento |
Tacuary | Cabral | 6 peças | |
Paraguary | José Alonzo | Rodas/ 627 Ton. | 4 peças |
Igurey | Remigio Cabral | Rodas/ 548 Ton. | 5 peças |
Yporá | Ortiz | Rodas/ 265 Ton. | 4 peças |
Marquês de Olinda | Ezequiel Robles | Rodas/ 300 Ton. | 4 peças |
Jejuy | Aniceto Lopez | Rodas/ 120 Ton. | 2 peças |
Salto Oriental | Vicente Alcaraz | 4 peças | |
Pirabebé | Pereira | Hélice/ 120 ton. | 1 peça |
6 chatas | – | Rebocadas | 4 peças de 68 e 2 peças de 80. |
A tropa, de diferentes unidades, estava distribuída dentro das embarcações paraguaias, incluindo 500 homens selecionados do 6o Batalhão de Infantaria, que participaram do ataque e Forte Coimbra.
Os navios paraguaios, à exceção do Tacuary e do Paraguary, eram barcos improvisados para a guerra, inferiores aos navios brasileiros, estes de construção mais robusta e melhor artilhados. Os brasileiros eram superiores também no tocante aos comandantes e às tripulações, mais experientes e treinados. A vantagem paraguaia estava no pouco calado de seus barcos, na posição oculta de Bruguez e nas suas chatas praticamente inatingíveis armadas com canhões de grosso calibre. Ademais, pelas táticas e dispositivos adotados, o combate aconteceu no local escolhido pelos paraguaios.
Às 08:30hs do domingo, dia 11 de junho de 1865, quando o Marquês de Olinda, o primeiro navio da esquadra paraguaia surgiu em frente a Corrientes, já havia soado o alarme em todos os navios brasileiros, acionado pelo navio vigia, a Mearim. Os canhões foram postos em bateria e inspecionados, as portinholas de tiro abertas, oficiais do exército assumiram as peças de campanha, a infantaria formou linha de atiradores e nas caldeiras o carvão substituiu a lenha para aumentar rapidamente a pressão. Em poucos minutos, a esquadra estava pronta para o combate.
A esquadra paraguaia desceu o rio em velocidade junto à margem esquerda, desfilando por estibordo da brasileira. Nessa passagem, as duas forças trocaram disparos, com resultados desiguais, uma vez que a artilharia brasileira era mais eficaz e os paraguaios cometeram a imprudência de formar a infantaria de abordagem nos seus costados de estibordo, oferecendo magnífico alvo para a metralha dos canhões brasileiros.
Desaparecida a esquadra inimiga atrás das ilhas Palomeras, de sua capitânia, a Amazonas, Barroso emitiu o sinal “suspender ferros”. Os navios brasileiros ficaram pairando na corrente, a um quarto de força, aguardando novas ordens.
Enquanto isso, a esquadra paraguaia, já com muitas baixas a bordo e a Igurey atingida por um tiro em sua caldeira, volveu rio acima e foi se colocar na curva do Riachuelo, ancorando as chatas, à espera dos navios brasileiros.
Barroso içou o sinal “bater o inimigo o mais próximo que cada um puder”. Avançou então a Belmonte, virando águas abaixo, seguida pela Jequitinhonha, Parnahyba, Iguatemy, Beberibe, Mearim, Ypiranga e a Araguary, que giraram em torno da Amazonas que “conservou-se onde estava, pairando sobre rodas para assistir o desfilar de seus comandados”. Nesse momento, Barroso içou o sinal “o Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Eram 09:00hs.
Quando a esquadra brasileira entrou no canal da Palomera, a posição de Bruguez se revelou, abrindo nutrido fogo de canhões, foguetes e fuzis. Interpretando as ordens de Barroso no sentido de bater o inimigo o mais próximo possível, Gomensoro, chefe da 3a divisão, que seguia no Jequitinhonha, segundo navio da coluna, fez seu navio-insígnia virar águas acima, para bater a posição em terra e a esquadra paraguaia na curva do Riachuelo. Essa manobra foi seguida pelos demais navios que vinham atrás da Jequitinhonha, seguindo em frente a Belmonte, navio testa, que ao perceber o que acontecera não tinha mais como voltar.
Essa manobra inverteu a coluna brasileira, deixando os navios menores que seguiam à retaguarda mais expostos aos fogos da barranca e da esquadra paraguaias. A Belmonte que seguiu sozinha pelo resto do canal recebeu a maior parte das primeiras rajadas inimigas, ficando tão avariada que teve que encalhar na ilha Cabral, após o canal. Eram 10:00hs.
Por duas horas durou esse duelo entre os navios brasileiros e a bateria e esquadra paraguaias. Mais uma vez, a artilharia brasileira levou vantagem, pois foram grandes os estragos causados nos navios paraguaios e consideráveis as perdas sofridas por Bruguez, que na sua parte de combate reconheceu ter perdido na batalha 7 das suas 22 peças, bem como muitos homens e cavalos mortos.
Por volta do meio-dia, Barroso intervém no combate. Entendendo-se a viva voz com Gomensoro que estava à testa da coluna aproada rio acima, Barroso desce o canal e ao passar pela Araguary, último navio da coluna, grita pelo porta-voz ao seu comandante, o 1o Tenente Hoonholtz: “siga nas minhas águas que a vitória é nossa”. Viraram águas abaixo, seguindo Barroso, a Beberibe, a Iguatemy, a Ypiranga, a Mearim e por fim a Araguary.
Essa manobra foi percebida pelos paraguaios, que lançaram três de seus vapores contra a Araguary, que seguia atrás da coluna, um pouco afastada. Acometidos pela canhoneira brasileira, dois deles guinaram para dar-lhe passagem, mas o Tacuary tentou abordá-la, recebendo, à queima roupa, no seu costado uma terrível rajada dos rodízios da Araguary carregados de bala e metralha que destruíram sua caixa de roda e dizimaram o pelotão de abordagem.
Quando os navios brasileiros liderados por Barroso chegaram até Cancha da Lagraña e viraram novamente águas acima, as linhas de batalha das esquadras haviam se desfeito. Haviam ficado para trás a Jequitinhonha, que encalhou ao tentar seguir a Amazonas, e a Parnahyba, que estava sendo atacada pelos três vapores que havia tentado barrar a Araguary: o Salto Oriental, o Paraguary e o Tacuary. A Parnahyba colocou fora de combate o Paraguary, abalroando-o, mas os outros dois conseguiram abordá-la pelos bordos, juntando-se a eles o Marquês de Olinda, pela popa.
Enquanto a Jequitinhonha lutava para desencalhar e sustentava vivo fogo contra as barrancas, na Parnahyba se desenrolava uma luta violenta. Em um primeiro momento, algumas dezenas de paraguaios que abordaram o navio mataram o Capitão do Exército Pedro Afonso, o guarda-marinha Greenhald, o marinheiro de 1a classe Marcílio Dias e os marinheiros que guarneciam o rodízio de popa, conseguindo arriar a bandeira brasileira. Seguiu-se uma furiosa reação da tripulação que estava no convés de baixo e subindo à tolda carregou sobre os assaltantes, dizimando-os. Finda a luta, no convés do navio amontoavam-se 63 cadáveres, incluídos os de 1 oficial e 29 paraguaios.
Barroso subia agora o rio com a Amazonas seguido pelos 5 navios brasileiros que haviam descido com ele. Esse foi o momento decisivo da batalha em que a força naval brasileira alcançou a vitória.
O Paraguary, já atingido pela Parnahyba, foi então atacado pela Ypiranga e pela Araguary, e com sua tripulação dizimada teve que encalhar na Palomera, fugindo os sobreviventes para o matagal da ilha.
Vendo os navios brasileiros se aproximarem a toda força, o Tacuary, o Salto e o Marquês de Olinda afastaram-se da Parnahyba, a eles se juntando o Pirabebé. Em sua arremetida, a Amazonas encontrou pela frente o Jejuy, que abalroou e pôs a pique. A próxima vítima da Amazonas foi o Salto Oriental, que foi colocado fora de combate. Em seguida, foi a vez do Marquês de Olinda, que ficou desamparado, e de uma chata, todos atingidos e postos fora de ação pela proa da Amazonas.
Vendo-se sem a metade de sua esquadra, Meza, na Tacuary bastante danificada, decidiu bater em retirada, seguindo-o o Ygurey, o Yporá e, com muita dificuldade, o Pirabebé, que era perseguido de perto pela Beberibe. Eram 16:00hs, a batalha estava vencida pela força naval brasileira.
Seguiu-se a perseguição rio acima dos destroços da esquadra paraguaia pela Araguary e pela Beberibe até quase o anoitecer. Retornando à esquadra, a Araguary foi auxiliar a Jequitinhonha encalhada e calou a bateria com que ela ainda duelava. Rumou então para a Cancha da Lagraña, fundeando em frente ao Riachuelo, a antiga posição de Meza, onde tomou quatro chatas abandonadas pelos paraguaios, levando-as, por ordem de Barroso, para o fundeadouro do Chaco. Com o afundamento de duas durante a batalha e a captura dessas quatro, todas as chatas paraguaias foram perdidas. O Marquês de Olinda foi encontrado encalhado no dia seguinte e capturado também pela Araguary, sendo depois por ela incendiado.
Da esquadra brasileira, a Belmonte pode ser recuperada e reparada à custa de muito trabalho. A Jequitinhonha não teve salvação, apesar de todos os esforços para desencalhá-la, e depois de várias tentativas, foi incendiada. Colocados em chamas pela esquadra brasileira também foram o Paraguary, que havia se jogado no banco da Palomera, e o Marquês de Olinda, encalhado rio abaixo. Metade dos navios e todas as chatas com que os paraguaios entraram em combate foram perdidos.
Os brasileiros tiveram 245 baixas, sendo 87 mortos e 138 feridos, incluídos oficiais e praças da Marinha e do Exército. Foram 131 baixas na Marinha e 114 do Exército. As baixas paraguaias foram devastadoras, estimadas em 1.500 homens, segundo Masterman. O impacto psicológico da chegada dos remanescentes da esquadra paraguaia em Humaitá, com os navios em frangalhos repletos de mortos e feridos foi enorme, inclusive sobre Lopes.
Riachuelo foi a maior batalha travada entre navios de madeira e a vapor sem blindagem e, mais importantes do que as expressivas perdas paraguaias, foram as consequências desse acontecimento, na campanha e na guerra.
Perdida a batalha e fracassada em seguida a tentativa de engarrafar a esquadra entre Riachuelo e Mercedes, qualquer manobra da ala direita de Lopes lançada sobre Corrientes ficava comprometida.
Até o fim da guerra, Lopes não ousou mais lançar o que sobrou de sua marinha contra a esquadra brasileira, cada vez mais poderosa, que subiria o rio Paraná e finalmente o rio Paraguai.
*Trecho do livro “Cinco Séculos de História Militar do Brasil: espaço, cultura, sociedade e nação” (COSTA, Sérgio Paulo Muniz. Rio de Janeiro: IHGB, 2021).