Riachuelo, a batalha que mudou a guerra. *

O Combate Naval do Riachuelo
(obra de Victor Meirelles, 1872, acervo do Museu Histórico Nacional)

Depois da incursão sobre Corrientes, no dia 25 de maio, data nacional argentina, em conjunto com as tropas argentinas de Paunero, a força naval brasileira, composta pela segunda divisão de Barroso, com a Amazonas, Parnaíba, Araguari, Iguatemi e Mearim, e pela terceira divisão de Gomensoro, com a  Jequitinhonha, Beberibe, Belmonte, Ipiranga e Itajaí, fora fundear, no dia 27 de maio, na margem do Chaco, defronte ao monumento chamado Coluna, em um local equidistante de Corrientes, ocupada pelos paraguaios, e da foz do arroio conhecido por Riachuelo, a jusante, na margem esquerda do Paraná.

A escolha pelo comandante da força naval brasileira, o Chefe de Divisão Francisco Manuel Barroso da Silva, desse local como base para o bloqueio contra o Paraguai era justificável pela recente incursão aliada e pela proximidade da confluência de Três Bocas e da cidade de Corrientes. A esquadra brasileira cumpria seu papel ofensivo àquela altura da campanha, sendo o único elemento com poder de combate para, se não impedir, pelo menos prejudicar as operações de Lopes na província Corrientes. As canhoneiras Itajay e Ivaí haviam seguido rio abaixo, a primeira escoltando os barcos da força de Paunero e a segunda para defender Bela Vista, ficando a esquadra com 9 vapores, armada com 59 peças e guarnecida por 2.297 homens da Marinha e do Exército.

Nome  Comandante  Comp. e caladoPropulsão e potência  Armamento  Tripulação  Tropa
  Amazonas   Capitânia de Barroso    CF Theotonio de Brito    188/ 14 pés  Rodas 300 cavalos– 4 canhões-obuses de 68; – 1 rodízio de 68; – 1 peça raiada de 70;    149    313
Jequitinhonha   c/ flâmula de Gomenso ro      CT J.J. Pinto      175/ 12 ½  pés      Hélice 130 cavalos  – 6 canhões de 32 em bateria;   – 2 de 68 em rodízio.      120      166
  Beberibe  CT Bonifácio de Sant’Anna    175/11 pés  Hélice 130 cavalos  – 6 canhões de 32 em bateria; – 1 rodízio de 68.    178    146
    Parnahy Ba    CT Garcindo de Sá    164/9  pés    Hélice 120 cavalos– 4 canhões de 32 em bateria; – 2 rodízios de 68; – 1 peça raiada de 70.    141    122
    Belmonte    1o Ten. J. F. de Abreu    168 pés/  9 ½ pés    Hélice 120 cavalos– 4 canhões de 32 em bateria; – 3 de 68 em rodízio; – 1 peça raiada de 70.    109    95
  Araguary  1o Ten. A. L. Von Hoonholtz146/ 7 ½ pésHélice 80 cavalos– 2 canhões de 32 em bateria; – 2 rodízios de 68.  89  83
  Ypiranga  1o Ten. Álvaro de Carvalho145 pés/ 9 ½ pésHélice 70 cavalos– 6 canhões;  de 30; – 1 rodízio de 30.  106  65
  Mearim1o Ten. Eliziário Barbosa 150/ 7 ½ pésHélice 100 cavalos– 4 canhões de 32; – 3 de 68 em rodízio.  125  67
  Iguatemy  1o Ten. Macedo Coimbra145 pés/ 7 ½ pésHélice 80 cavalos– 2 canhões de 32 em bateria; –  3 rodízios de 68.  96  117
Tabela 1 – A esquadra brasileira na batalha de Riachuelo

Conhecendo a localização da esquadra brasileira, Lopes decidiu lançar contra a ela um ataque de surpresa explorando ao máximo as vantagens que o curso e as margens do rio naquele trecho poderiam lhe oferecer. Para tanto, ele havia determinado que alguma infantaria e artilharia, comandadas respectivamente pelos Tenentes-Coronéis Aquino e Bruguez, fossem posicionadas nas proximidades do Riachuelo. Essas forças tinham ordem de permanecer ocultas e em silêncio. Dias antes da batalha, elas deixaram passar, pelo canal entre a ilha de Palomera e a foz do Riachuelo, vapores brasileiros. Sua missão era surpreender pelo fogo a esquadra brasileira quando atraída ao combate e proteger a paraguaia em caso de revés. A posição de Bruguez, disporia de 22 peças, cerca de 1.000 infantes e foguetes à Congrève.

A esquadra paraguaia partiu de Humaitá com nove navios, no entanto, na altura de Três Bocas, o vapor Ybera, com 4 peças, do comandante Gill, teve um pane na hélice e não pode prosseguir. Comandada pelo experiente Chefe Meza, a força naval paraguaia dispunha para o combate de 8 navios e 6 chatas, levando um total de 36 canhões, aos quais se somavam os 22 da posição de Bruguez, num total de 58 peças. Ouvidos os prisioneiros após a batalha, a estimativa do efetivo a bordo da esquadra de Meza seria de 2.500 homens.

NomeComandantePropulsão e deslocamentoArmamento
TacuaryCabral 6 peças
ParaguaryJosé AlonzoRodas/ 627 Ton.4 peças
IgureyRemigio CabralRodas/ 548 Ton.5 peças
YporáOrtizRodas/ 265 Ton.4 peças
Marquês de OlindaEzequiel RoblesRodas/ 300 Ton.4 peças
JejuyAniceto LopezRodas/ 120 Ton.2 peças
Salto OrientalVicente Alcaraz 4 peças
PirabebéPereiraHélice/  120 ton. 1 peça
6 chatasRebocadas4 peças de 68 e 2 peças de 80.
Tabela 2 – A esquadra paraguaia na batalha de Riachuelo
A tropa, de diferentes unidades, estava distribuída dentro das embarcações paraguaias, incluindo 500 homens selecionados do 6o Batalhão de Infantaria, que participaram do ataque e Forte Coimbra.

Os navios paraguaios, à exceção do Tacuary e do Paraguary, eram barcos improvisados para a guerra, inferiores aos navios brasileiros, estes de construção mais robusta e melhor artilhados. Os brasileiros eram superiores também no tocante aos comandantes e às tripulações, mais experientes e treinados. A vantagem paraguaia estava no pouco calado de seus barcos, na posição oculta de Bruguez e nas suas chatas praticamente inatingíveis armadas com canhões de grosso calibre. Ademais, pelas táticas e dispositivos adotados, o combate aconteceu no local escolhido pelos paraguaios.

Às 08:30hs do domingo, dia 11 de junho de 1865, quando o Marquês de Olinda, o primeiro navio da esquadra paraguaia surgiu em frente a Corrientes, já havia soado o alarme em todos os navios brasileiros, acionado pelo navio vigia, a Mearim. Os canhões foram postos em bateria e inspecionados, as portinholas de tiro abertas, oficiais do exército assumiram as peças de campanha, a infantaria formou linha de atiradores e nas caldeiras o carvão substituiu a lenha para aumentar rapidamente a pressão.  Em poucos minutos, a esquadra estava pronta para o combate.

A esquadra paraguaia desceu o rio em velocidade junto à margem esquerda, desfilando por estibordo da brasileira. Nessa passagem, as duas forças trocaram disparos, com resultados desiguais, uma vez que a artilharia brasileira era mais eficaz e os paraguaios cometeram a imprudência de formar a infantaria de abordagem nos seus costados de estibordo, oferecendo magnífico alvo para a metralha dos canhões brasileiros.

Desaparecida a esquadra inimiga atrás das ilhas Palomeras, de sua capitânia, a Amazonas, Barroso emitiu o sinal “suspender ferros”. Os navios brasileiros ficaram pairando na corrente, a um quarto de força, aguardando novas ordens.

Enquanto isso, a esquadra paraguaia, já com muitas baixas a bordo e a Igurey atingida por um tiro em sua caldeira, volveu rio acima e foi se colocar na curva do Riachuelo, ancorando as chatas, à espera dos navios brasileiros.

Barroso içou o sinal “bater o inimigo o mais próximo que cada um puder”. Avançou então a Belmonte, virando águas abaixo, seguida pela Jequitinhonha, Parnahyba, Iguatemy, Beberibe, Mearim, Ypiranga e a Araguary, que giraram em torno da Amazonas que “conservou-se onde estava, pairando sobre rodas para assistir o desfilar de seus comandados”. Nesse momento, Barroso içou o sinal “o Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Eram 09:00hs.

Quando a esquadra brasileira entrou no canal da Palomera, a posição de Bruguez se revelou, abrindo nutrido fogo de canhões, foguetes e fuzis. Interpretando as ordens de Barroso no sentido de bater o inimigo o mais próximo possível, Gomensoro, chefe da 3a divisão, que seguia no Jequitinhonha, segundo navio da coluna, fez seu navio-insígnia virar águas acima, para bater a posição em terra e a esquadra paraguaia na curva do Riachuelo. Essa manobra foi seguida pelos demais navios que vinham atrás da Jequitinhonha, seguindo em frente a Belmonte, navio testa, que ao perceber o que acontecera não tinha mais como voltar.

Batalha Naval de Riachuelo
(HOONHOLTZ , 1910, p. 14)

Essa manobra inverteu a coluna brasileira, deixando os navios menores que seguiam à retaguarda mais expostos aos fogos da barranca e da esquadra paraguaias. A Belmonte que seguiu sozinha pelo resto do canal recebeu a maior parte das primeiras rajadas inimigas, ficando tão avariada que teve que encalhar na ilha Cabral, após o canal. Eram 10:00hs.

Por duas horas durou esse duelo entre os navios brasileiros e a bateria e esquadra paraguaias. Mais uma vez, a artilharia brasileira levou vantagem, pois foram grandes os estragos causados nos navios paraguaios e consideráveis as perdas sofridas por Bruguez, que na sua parte de combate reconheceu ter perdido na batalha 7 das suas 22 peças, bem como muitos homens e cavalos mortos.

Por volta do meio-dia, Barroso intervém no combate. Entendendo-se a viva voz com Gomensoro que estava à testa da coluna aproada rio acima, Barroso desce o canal e ao passar pela Araguary, último navio da coluna, grita pelo porta-voz ao seu comandante, o 1o Tenente Hoonholtz: “siga nas minhas águas que a vitória é nossa”. Viraram águas abaixo, seguindo Barroso, a Beberibe, a Iguatemy, a Ypiranga, a Mearim e por fim a Araguary.

Essa manobra foi percebida pelos paraguaios, que lançaram três de seus vapores contra a Araguary, que seguia atrás da coluna, um pouco afastada. Acometidos pela canhoneira brasileira, dois deles guinaram para dar-lhe passagem, mas o Tacuary tentou abordá-la, recebendo, à queima roupa, no seu costado uma terrível rajada dos rodízios da Araguary carregados de bala e metralha que destruíram sua caixa de roda e dizimaram o pelotão de abordagem.

Quando os navios brasileiros liderados por Barroso chegaram até Cancha da Lagraña e viraram novamente águas acima, as linhas de batalha das esquadras haviam se desfeito. Haviam ficado para trás a Jequitinhonha, que encalhou ao tentar seguir a Amazonas, e a Parnahyba, que estava sendo atacada pelos três vapores que havia tentado barrar a Araguary: o Salto Oriental, o Paraguary e o Tacuary. A Parnahyba colocou fora de combate o Paraguary, abalroando-o, mas os outros dois conseguiram abordá-la pelos bordos, juntando-se a eles o Marquês de Olinda, pela popa.

Enquanto a Jequitinhonha lutava para desencalhar e sustentava vivo fogo contra as barrancas, na Parnahyba se desenrolava uma luta violenta. Em um primeiro momento, algumas dezenas de paraguaios que abordaram o navio mataram o Capitão do Exército Pedro Afonso, o guarda-marinha Greenhald, o marinheiro de 1a classe Marcílio Dias e os marinheiros que guarneciam o rodízio de popa, conseguindo arriar a bandeira brasileira. Seguiu-se uma furiosa reação da tripulação que estava no convés de baixo e subindo à tolda carregou sobre os assaltantes, dizimando-os. Finda a luta, no convés do navio amontoavam-se 63 cadáveres, incluídos os de 1 oficial e 29 paraguaios.

Barroso subia agora o rio com a Amazonas seguido pelos 5 navios brasileiros que haviam descido com ele. Esse foi o momento decisivo da batalha em que a força naval brasileira alcançou a vitória.

O Paraguary, já atingido pela Parnahyba, foi então atacado pela Ypiranga e pela Araguary, e com sua tripulação dizimada teve que encalhar na Palomera, fugindo os sobreviventes para o matagal da ilha.

 Vendo os navios brasileiros se aproximarem a toda força, o Tacuary, o Salto e o Marquês de Olinda afastaram-se da Parnahyba, a eles se juntando o Pirabebé. Em sua arremetida, a Amazonas encontrou pela frente o Jejuy, que abalroou e pôs a pique. A próxima vítima da Amazonas foi o Salto Oriental, que foi colocado fora de combate. Em seguida, foi a vez do Marquês de Olinda, que ficou desamparado, e de uma chata, todos atingidos e postos fora de ação pela proa da Amazonas.

Vendo-se sem a metade de sua esquadra, Meza, na Tacuary bastante danificada, decidiu bater em retirada, seguindo-o o Ygurey, o Yporá e, com muita dificuldade, o Pirabebé, que era perseguido de perto pela Beberibe. Eram 16:00hs, a batalha estava vencida pela força naval brasileira.

Seguiu-se a perseguição rio acima dos destroços da esquadra paraguaia pela Araguary e pela Beberibe até quase o anoitecer. Retornando à esquadra, a Araguary foi auxiliar a Jequitinhonha encalhada e calou a bateria com que ela ainda duelava. Rumou então para a Cancha da Lagraña, fundeando em frente ao Riachuelo, a antiga posição de Meza, onde tomou quatro chatas abandonadas pelos paraguaios, levando-as, por ordem de Barroso, para o fundeadouro do Chaco. Com o afundamento de duas durante a batalha e a captura dessas quatro, todas as chatas paraguaias foram perdidas. O Marquês de Olinda foi encontrado encalhado no dia seguinte e capturado também pela Araguary, sendo depois por ela incendiado.

Da esquadra brasileira, a Belmonte pode ser recuperada e reparada à custa de muito trabalho.   A Jequitinhonha não teve salvação, apesar de todos os esforços para desencalhá-la, e depois de várias tentativas, foi incendiada. Colocados em chamas pela esquadra brasileira também foram o Paraguary, que havia se jogado no banco da Palomera, e o Marquês de Olinda, encalhado rio abaixo. Metade dos navios e todas as chatas com que os paraguaios entraram em combate foram perdidos.

Os brasileiros tiveram 245 baixas, sendo 87 mortos e 138 feridos, incluídos oficiais e praças da Marinha e do Exército. Foram 131 baixas na Marinha e 114 do Exército. As baixas paraguaias foram devastadoras, estimadas em 1.500 homens, segundo Masterman. O impacto psicológico da chegada dos remanescentes da esquadra paraguaia em Humaitá, com os navios em frangalhos repletos de mortos e feridos foi enorme, inclusive sobre Lopes.

Riachuelo foi a maior batalha travada entre navios de madeira e a vapor sem blindagem e, mais importantes do que as expressivas perdas paraguaias, foram as consequências desse acontecimento, na campanha e na guerra.

Perdida a batalha e fracassada em seguida a tentativa de engarrafar a esquadra entre Riachuelo e Mercedes, qualquer manobra da ala direita de Lopes lançada sobre Corrientes ficava comprometida.

Até o fim da guerra, Lopes não ousou mais lançar o que sobrou de sua marinha contra a esquadra brasileira, cada vez mais poderosa, que subiria o rio Paraná e finalmente o rio Paraguai.

*Trecho do livro “Cinco Séculos de História Militar do Brasil: espaço, cultura, sociedade e nação” (COSTA, Sérgio Paulo Muniz. Rio de Janeiro: IHGB, 2021).